Nascido em 1930 no Caribe, na pequena ilha de Santa Lúcia, ex-colônia britânica, Derek Walcott ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1992. É considerado um dos maiores poetas contemporâneos de língua inglesa. De sintaxe e pensamento complexos, articula questões dentro do que se convencionou chamar “literatura pós-colonial”, ou seja, a literatura dos escritores nascidos em ex-colônias, que, hoje, interrogam o futuro e o presente à luz do que a história lhes plasmou. Apaixonei-me pela poesia de Derek Walcott desde que li o poema abaixo; gosto especialmente da segunda estrofe. Desconheço traduções de livros de Derek Walcott no Brasil: já passou da hora de termos sua obra divulgada aqui.
PS: Meu amigo Sidney Wanderley me fez ver que, em 1994, a Companhia das Letras publicou a principal obra de Derek Walcott, Omeros, em tradução de Paulo Vizioli. Obrigada, Sidney, fica o registro aqui. E lá vou eu, correndo, comprar este livro!
Um grito distante da África
Um vento brame o escuro tambor
da África, dos Kikuyu, rápido como moscas,
que vivem nas veias que cortam os campos.
Cadáveres se espalham pelo paraíso.
Apenas o verme, nos restos mortais, exclama:
– Não se compadeçam destes infelizes!
As estatísticas justificam e os especialistas se agarrama
os aspectos da política colonialista.
O que é isto para a criança branca mutilada em sua cama?
Para os selvagens, desprezíveis como os judeus?
Flagelada por batedores, os longos ataques rompem
em brancas nuvens de íbices, cujos gritos
reverberam desde os primórdios das civilizações
do rio seco ou das planícies repletas de animais.
A violência entre animais é vista
como lei natural, mas o homem ereto
busca a divindade infligindo a dor.
Loucos como animais horrendos, suas guerras
dançam ao som abafado dos tambores,
enquanto clama por coragem esse temor nativo
da branca paz contraída pelos mortos.
Novamente a necessidade brutal lava as mãos
Novamente a necessidade brutal lava as mãos
no guardanapo de uma causa suja, novamente
desperdiça-se nossa compaixão, como na Espanha,
o gorila se bate com o super-homem.
Envenenado pelo sangue de ambos,
o que me restará, dividido ao meio?
Eu que xinguei
o oficial embriagado pela lei britânica, como escolher
entre esta África e a língua inglesa que amo?
Trair os dois, ou dar a eles o que me dão?
Como encarar essa mortandade e manter-me lúcido?
Como dar as costas à África e viver?
Derek Walcott
(Tradução de Thereza Christina Rocque da Motta, poeta, tradutora e editora brasileira)
A far cry from Africa
A wind is ruffling the tawny pelt
Of Africa, Kikuyu, quick as flies,
Batten upon the blood streams of the veldt.
Corpses are scattered through a paradise.
Only the worm, colonel of carrion, cries:
"Waste no compassion on these separate dead!
"Statistics justify and scholars seize
The salients of colonial policy.
What is that to the white child hacked in bed?
To savages, expendable as Jews?
Threshed out by beaters, the long rushes break
In a white dust of ibises whose cries
Have wheeled since civilizations dawn
From the parched river or beast-teeming plain.
The violence of beast on beast is read
As natural law, but upright man
Seeks his divinity by inflicting pain.
Delirious as these worried beasts, his wars
Dance to the tightened carcass of a drum,
While he calls courage still that native dread
Of the white peace contracted by the dead.
Again brutish necessity wipes its hands
Again brutish necessity wipes its hands
Upon the napkin of a dirty cause, again
A waste of our compassion, as with Spain,
The gorilla wrestles with the superman.
I who am poisoned with the blood of both,
Where shall I turn, divided to the vein?
I who have cursed
The drunken officer of British rule, how choose
Between this Africa and the English tongue I love?
Betray them both, or give back what they give?
How can I face such slaughter and be cool?
How can I turn from Africa and live?
Derek Walcott
*Imagem daqui.
4 comentários:
Obrigada pela excelente partilha, Janína! É muito bom poder conhecer talentos assim!
Bjs.
Concordo inteiramente com a urgência de publicarmos Derek Walcott em português. Ele é um poeta extraordinário, e um intelectual refinado, professor de Harvard, que fala da diáspora africana, da concha que está na praia e da dor do homem. A tradução do poema me pareceu muito boa.
Annelise, de SP
Fazia tempo que um poema não me tocava tanto e tão intensamente quanto este, Janaína. A mim, impressiona o final, especialmente. Gostei muito do que disse Annelise, o mesmo olhar criterioso, que olha as questões sociais, históricas e humanas, olha as conchas da praia, os animais, os rios... Beijo.
oBRIGADO jANAINA!!!
Belo poema...
Sem dúvida um poeta extraordinário e apreciando a traducao em portugues eu diria que é magnífica. A poesia de expressao inglesa nao mais acontece na Europa ou na América do Norte mas nos países libertados do jugo colonial, penso que isso acontece também com a língua portuguesa. A poesia actual feita em Portugal nao tem nada de especial quando comparada com a que acontece nas ex-colónias portuguesas, há mais criatividade há mais vida Lá.
Obrigado pela receita de caruru, deixei comentário no meu blog, no entanto te digo que esse caruru nao tem outra origem que nao seja Angola. Viva BahiAngola!
Saravá!
Kandandu
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