domingo, 28 de março de 2010

Os sertões à beira do rio


Em recente viagem ao interior de São Paulo, tive oportunidade de visitar a cidade de São José do Rio Pardo, e ali, a acanhada cabana onde Euclides da Cunha escreveu Os Sertões (publicado em 1902), enquanto dirigia a construção de uma ponte sobre o rio Pardo. Euclides já estivera em Canudos, no sertão da Bahia, cobrindo como jornalista as investidas finais do Exército contra o beato Antônio Conselheiro e seus seguidores. E já colhera farto material de pesquisa, com vistas ao futuro livro.
Sim, um dos maiores e mais importantes livros do e sobre o Brasil foi escrito à mão, à luz de lampião, dentro de uma cabana abafada e sem conforto, provavelmente infestada de mosquitos, pois à beira do rio. Mas Euclides sentiria saudade desse tranquilo escritório.


Na foto acima, de cerca de 1901, a cabana junto ao rio Pardo onde foi escrito Os Sertões. À esquerda, vê-se parte da ponte construída sob supervisão de Euclides da Cunha, que era engenheiro.

A pequena cabana como se encontra hoje, em 2010, envolvida por uma casa de vidro, que a protege. Vê-se a ponte à esquerda.

No Centro de Cultura Euclides da Cunha, praça junto à casa com monumentos e esculturas em homenagem ao escritor, esta placa registra trecho de uma carta de Euclides de 1908, onde expressa saudades do " meu escritório de zinco e sarrafos, da margem do rio Pardo".

*Imagens, de cima para baixo: Foto, provavelmente de 1901, deste ótimo site.
Fotos de Luiz Carlos Figueiredo, fevereiro de 2010.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Não confio mais no sedex


Há dias tento escrever este texto, mas não consigo. Não sei se devido à minha frustração com o assunto, ao fato de eu chorar toda a vez em que penso nele, à minha profunda sensação de impotência... Vou tentar mais uma vez vencer o bloqueio, e escrever.

Aconteceu comigo: enviei por sedex, de Maceió para Salvador, quatro livros originais escritos nas décadas de 1940 e 1950 pela poeta Jacinta Passos, minha mãe: Nossos poemas, Canção da partida, Poemas políticos e A Coluna. Os leitores deste blog sabem que preparo a edição completa da obra dela, acompanhada de biografia e fortuna crítica, a ser publicada em breve pelas editoras da EDUFBA e Corrupio. A certo momento dos trabalhos, foi necessário comparar os poemas originais dos livros com o texto em page maker, pois nessa transposição costumam acontecer mudanças nos espaços entre as estrofes.

Enviei então os livros de minha mãe para a editor Bete Capinan, em Salvador. Havia pressa, e eu não tinha por que me preocupar, pois sempre confiei nos Correios, principalmente no sedex, serviço que cobra caro justamente para entregar as encomendas rápido e em segurança.

Então começou meu pesadelo. Alertada por Bete de que o pacote não chegara, rastreei-o no site dos Correios, encontrando a informação de que havia sido encaminhado para refugo. Por telefone, fui informada de que, para os Correios, “refugo” quer dizer encomenda encaminhada para… destruição! Sem entender nada e apavorada, liguei imediatamente para Bete, pedindo a ela que fosse rápido à agência dos Correios em Salvador, pois os livros poderiam ser destruídos a qualquer momento, sem que nem soubéssemos por quê. Ela não pôde fazer muito: os Correios consideram que, até ser entregue, a correspondência pertence ao remetente, não ao destinatário, e portanto apenas eu, não ela, tinha direito a saber algo. O argumento lógico de que eu me encontrava em outra cidade, e ela, destinatária, igualmente interessada na encomenda, é que estava ali em Salvador, não sensibilizou ninguém. Graças apenas a uma boa conversa pessoal, Bete conseguiu que uma funcionária procurasse e lhe mostrasse a caixa onde eu havia enviado os livros: estava despedaçada e, dentro dela, havia um… relógio!

Nesse meio tempo, eu preenchia no site dos Correios um “pedido de informação”, a única providência que um usuário que se sente lesado pode tomar, acreditem. E deveria aguardar 5 dias úteis pela resposta dos Correios. Essa resposta só chegou muito depois do tempo previsto (os Correios alegaram que mandaram a resposta por e-mail, mas o fato é que não a recebi). Acionar a Ouvidoria do órgão também de nada ajudou, pois não obtive resposta ao meu pleito.

Para encurtar a história, os Correios me informaram que meus preciosos livros – publicados há mais de 50 anos, em edições esgotadíssimas, e que para mim têm um valor sentimental incalculável, pois foram escritos por minha mãe, já morta – foram roubados do caminhão (isto mesmo, caminhão, embora haja voos diários entre as cidades) que os transportava pelos 600 km que separam Maceió de Salvador. Esse serviço de entrega por caminhão – que, fiquei sabendo, é usado em várias partes do Brasil – é terceirizado. O grande argumento dos funcionários dos Correios que comigo conversavam por telefone era: “Mas o roubo não aconteceu nas dependências dos Correios!”, como se a instituição não fosse a responsável pela entrega final do pacote. E ainda comentavam: “Pois é, minha senhora, este país está uma coisa horrível mesmo, cheio de assaltos...”

Enquanto eu estava na agência daqui me informando sobre o assunto (quantas horas, quantos dias perdidos de pura tensão, para nada!), vi um funcionário dos Correios – ou de empresa terceirizada, não sei – recolher o sedex daquele dia da agência: ele, que dirigia uma perua como a da imagem deste texto, estacionou em frente á agência, abriu as portas da perua – deixando à mostra os outros pacotes que lá estavam – e entrou na agência, passando a carregar para a perua, um a um, os pesados sacos contendo as encomendas sedex. Ao terminar, fechou as portas do veículo, retomou o volante e partiu para repetir a mesma tarefa em outra agência. Nem ele nem a carga (muitas com objetos de valor, todo mundo sabe disso) recebiam qualquer proteção.

O que eu posso fazer? Segundo os Correios, levar cópias de vários documentos meus até a agência onde postei o pacote, preencher lá minucioso formulário, e aguardar até que me devolvam o dinheiro que gastei na postagem, acompanhado de cinquenta reais. É, cinquenta reais.

Decidi acionar judicialmente os Correios. Meu interesse não é tanto o valor pecuniário que acho que me devem por não terem cumprido seus serviços (minha perda é incalculável), mas o fato de – descobri ao conversar com diversas pessoas sobre o assunto – os desvios de encomendas sedex serem hoje frequentes. Muita gente, de vários estados, me contou ter passado pelo mesmo problema. Suas perdas foram enormes – desde objetos de valor, como laptops, que por isso mesmo foram enviados por sedex, até perda de inscrição em concurso público, passando pelo extravio de um remédio urgente, destinado a alguém que muito precisava dele.

Pelo que me foi dito, os desvios de cargas do sedex têm sido constantes. Acho que os Correios devem ser responsabilizados por isso, para tomarem uma providência. Acho que todos os prejudicados devem entrar na Justiça, por mais aborrecido e tenso e trabalhoso que isso seja. Pois pode ser a única brecha que nos deixaram para chamar à consciência uma instituição que já foi sinônimo de qualidade no Brasil, e hoje pode deixar de cumprir obrigações, lesando seus usuários, como aconteceu comigo.

Eu não confio mais no sedex.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Sempre valeu a pena


Retorno de uma viagem agradável ao interior de Minas e de São Paulo. Nesses interiores, encontrei por acaso uma antiga aluna, minha orientanda no mestrado e doutorado. Foi uma festa nosso encontro, uma alegria. Ela hoje é professora da UNESP, onde desenvolve bonita carreira, como pesquisadora inclusive. São esses os frutos maiores do ensino, que exerci durante décadas: ajudar a formar gente de qualidade, que ajudará a formar outros, que ajudarão...


O encontro me fez lembrar deste pequeno texto que escrevi em março de 2004, quando me dei conta de que minha última orientanda (Leny Caselli Anzai, profa. da UFMT) defenderia seu doutorado no dia seguinte, na Universidade de Brasília. Seria meu último compromisso universitário, pois eu já me encontrava aposentada. Sentei-me então em frente ao computador e escrevi este pequeno texto nada acadêmico, que no dia seguinte li para uma platéia comovida, durante o intervalo da defesa, e ainda expressa o que sinto:
Sempre valeu a pena


Sempre valeu a pena, desde as escolinhas que montávamos nos saguões dos prédios da nossa infância, onde as crianças mais velhas, como eu, se punham no papel de sádicos professores, e as menores, no de obedientíssimos alunos, obediência garantida graças ao mais antigo dos métodos, a supremacia da nossa força física. Aos nove anos, eu examinava e aprovava os deveres de casa dos meus primeiros alunos: desenhos sobre o que cada um achava a coisa mais bonita do mundo. Em meio a singelas casinhas, figuras de mamães e flores, destacou-se o desenho de uma prima de cinco anos de idade: um homem nu em folha inteira, órgão sexual masculino detalhadíssimo, primeiro plano. O desenho provocou a imediata expulsão de sua autora da escola: "Pouca vergonha, aqui na minha escola, não!", gritei-lhe, dedo em riste, do alto do meu autoritarismo. Este desenho me ensinou a primeira grande lição como professora, aprendida naquela mesma noite, quando, trancada no banheiro, eu examinava cheia de espanto a obra da pequena prima – que, em vez de rasgar, espertamente enfiara no bolso –, e, boquiaberta, pensava: "Puxa vida, minha aluna sabe mais do que eu!”


Daí em diante, foi sempre assim. Aprendi com os sorrisos, a irreverência e a energia deles, à medida que a minha própria energia ia diminuindo, transmutada em ar fresco que me entrava pulmão adentro, a cada manhã renovando a vida. Aprendi com a ignorância, a cultura e a curiosidade deles (como a da caloura que, após a primeira aula da última disciplina de graduação que ensinei, perguntou, olhinhos brilhantes de expectativa: "Então, fessora, nesse seu curso vai ou não vai rolar stress?"). Aprendi, sobretudo com os orientandos da pós: por mais que eu me esforçasse, jamais encontraria "A" fórmula para orientá-los, pois cada um era e é único e ao mesmo tempo múltiplo, transformando-se à medida que seu trabalho de pesquisa amadurecia. Se alguma coisa havia a aprender com aquela troca, era a respeitá-los e aos seus caminhos. Para mim, eles e elas é que sempre valeram a pena.

Nesses últimos 30 anos, mesmo nos piores momentos de uma profissão que no Brasil é difícil, quando me senti sufocada pela burocracia insana, pelas tentativas de vários grupos para assassinar o recém-nascido sistema universitário brasileiro, mesmo nos piores momentos, quando me senti desanimada, desvalorizada ou incompetente, jamais duvidei de que eles e elas, sim, sempre valeram a pena.
*Imagem daqui.

sexta-feira, 5 de março de 2010

O último dinossauro da Terra

Amigos, hoje tem poema aqui.
PS - Estou viajando para o interior de Minas e São Paulo, retorno daqui a uma semana. Abraços e até lá.

segunda-feira, 1 de março de 2010

José Mindlin: “Eu não faço nada sem alegria”



José Mindlin nos deixou. Absolutamente apaixonado por livros e por tudo o que dissesse respeito a eles, Mindlin, ao longo de 80 anos – desde os 15 de idade, pois faleceu em 28/02/10, aos 95 –, formou sua magnífica, extraordinária biblioteca de mais de 17.000 títulos e 40.000 volumes, entre os quais obras e edições raríssimas no Brasil, principalmente da história e literatura. Lá estão, entre muitos outros, o primeiro livro editado em nosso país, a primeira edição e manuscritos de importantes livros, além de documentos históricos do mais alto valor. A biblioteca sempre foi aberta aos pesquisadores interessados.


Advogado e jornalista na juventude, em 1950 Mindlin fundou a Metal Leve, tornando-se durante décadas um industrial brasileiro de ponta, com todos os desafios que isso significava e significa. Paralelamente a esse trabalho, continuou lendo, formando sua biblioteca ao lado da mulher, Guita, também apaixonada por livros, e participando das diversas instituições e iniciativas ligadas à cultura, como o MASP, a USP, a FAPESP, o CNPq... a lista é imensa. Em 2006, em meio ao reconhecimento geral e às muitas homenagens que recebeu, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Dizia-se leitor, não escritor, mas escreveu dois importantes e deliciosos livros: Uma Vida entre Livros – Reencontros com o tempo e Memórias Esparsas de uma Biblioteca. Em 1998, lançou o CD O Prazer da Poesia, em que reuniu e leu os poemas de que mais gostava. Mindlin realmente acreditou na cultura, por ela trilhou sua vida, por ela travou suas batalhas, esse homem pacífico. O mais importante: fazia tudo isso com entusiasmo, com alegria, doando-se integralmente. Não por acaso no seu ex-libris – vinheta que bibliófilos colam na contracapa de seus livros – , estava escrita esta frase de Montaigne, na ortografia francesa do século XVI: Je ne fay rien sans gayeté, Não faço nada sem alegria.


Tive o prazer e a honra de conhecer José Mindlin. Recebeu-me há alguns anos em sua casa no Brooklin, SP, com a maior gentileza, ao lado de Guita, a companheira querida de décadas (falecida em 2006), que, para ajudar o marido, aprendera a arte da encadernação. O casal foi extremamente amável comigo – não me refiro só a etiqueta, a bons modos, mas àquela amabilidade que sai do coração e nos chega quente, aconchegante, vinda de gente culta mas sem pedantismo algum, gente alegre, informal, sobretudo humana, que aproveitou a experiência da vida e a cultura para tornar-se ainda melhor como gente.


Passei horas extremamente agradáveis com o casal. Mindlin falava muito, sorria, mostrava quadros e livros, trazia à conversa informações e anedotas de uma estonteante variedade de fontes. Guita, mais contida, sorriso leve, no momento certo pronunciava aquela frase que faltava, acrescentava o bom senso em que nenhum de nós dois havia até então pensado. Nessa tarde, visitei a famosa biblioteca (para mim, espécie de templo), situada nos fundos do terreno da residência do casal – bastava alguns passos para que a alcançassem –, aprendi muito e me diverti, perdida de reconhecimento, admiração e carinho pelo casal. Voltei à casa algumas vezes: entre os poetas preferidos de Mindlin estava minha mãe, Jacinta Passos, cujo poema “Cantiga das mães” – um dos favoritos também de Guita - ele incluíra no seu Cd de poesia. Conversamos a respeito do livro que eu organizava, sobre minha mãe. Ele não só deu sugestões como, no ano passado, mesmo recém saído de uma internação de um mês no hospital, o que o enfraquecera muito, escreveu um texto simples e absolutamente pessoal sobre a poesia de Jacinta Passos. Este texto abrirá o livro dela, que sairá publicado este ano. Sou profundamente grata a Mindlin e à sua filha Betty por este gesto, e por tudo o que José e Guita fizeram pela cultura e educação no Brasil. São exemplos.


Como o casal queria que os tesouros de sua biblioteca alcançassem o maior número possível de pessoas, doaram a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin à Universidade de São Paulo, que a está agora digitalizando. A beleza e relevância desse acervo, assim como o ótimo trabalho que está sendo realizado com ele, pode ser conferido neste site.

PS: Sobre o importante assunto tratado no blog anterior - plágio em tradução, e processo da Landmark contra Denise Bottmann -, está circulando na internet um manifesto de apoio à tradutora, assinado por gente de muita expressão na área. Para obter mais informações sobre o assunto e o texto do manifesto, entre aqui.

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