domingo, 28 de dezembro de 2008

O futuro é espaço

Nesta passagem de ano, em que o tempo nos ronda a todos, quando decidimos o que abandonar em 2008 e o que conservar e criar em 2009, quando fazemos planos e sonhos e músicas e laços para o próximo ano, desejo a todos vocês um 2009 de coragem, tolerância, amor, fantasia e saúde, ao mesmo tempo em que lhes ofereço este poema de Neruda, sobre o futuro. Feliz Ano-Novo!!!

El futuro es espacio

El futuro es espacio,
espacio color de tierra,
color de nube,
color de agua, de aire,
espacio negros para muchos sueños,
espacio blanco para toda la nieve,
para toda la musica.

Atrás quedó el amor desesperado
que no tenía sitio para un beso,
hay lugar para todos en el bosque,
en la calle, en la casa,
hay sitio subterrâneo y submarino,
qué placer es hallar por fin,
subiendo
un planeta vacío,
grandes estrellas claras como el vodka
tan transparentes y desabitadas,
y allí llegar con el primer teléfono
para que hablen más tardes tantos hombres
de sus enfermedades.

Lo importante es apenas divisarse,
gritar desde una dura cordillera
y ver en la otra punta
los pies de una mujer recién llegada.
Adelante, salgamos
del rio sufocante
en que con otros peces navegamos
desde el alba a la noche migratoria
y ahora en este espacio descubierto
volemos a la pura soledad.
[Pablo Neruda. Memorial de Isla Negra. Buenos Aires: Editorial Planeta Argentina, 1992. Edição original: 1964]

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Natal na Ilha do Nanja


Na Ilha do Nanja, o Natal continua a ser maravilhoso. Lá ninguém celebra o Natal como o aniversário do Menino Jesus, mas sim como o verdadeiro dia do seu nascimento. Todos os anos o Menino Jesus nasce, naquela data, como nascem no horizonte, todos os dias e todas as noites, o sol e a lua e as estrelas e os planetas.

Na Ilha do Nanja, as pessoas levam o ano inteiro esperando pela chegada do Natal. Sofrem doenças, necessidades, desgostos como se andassem sob uma chuva de flores, porque o Natal chega: e, com ele, a esperança, o consolo, a certeza do Bem, da Justiça, do Amor. Na Ilha do Nanja, as pessoas acreditam nessas palavras que antigamente se denominavam "substantivos próprios" e se escreviam com letras maiúsculas. Lá, elas continuam a ser denominadas e escritas assim. Na Ilha do Nanja, pelo Natal, todos vestem uma roupinha nova — mas uma roupinha barata, pois é gente pobre — apenas pelo decoro de participar de uma festa que eles acham ser a maior da humanidade. Além da roupinha nova, melhoram um pouco a janta, porque nós, humanos, quase sempre associamos à alegria da alma um certo bem-estar físico, geralmente representado por um pouco de doce e um pouco de vinho. Tudo, porém, moderadamente, pois essa gente da Ilha do Nanja é muito sóbria.

Durante o Natal, na Ilha do Nanja, ninguém ofende o seu vizinho — antes, todos se saúdam com grande cortesia, e uns dizem e outros respondem no mesmo tom celestial: "Boas Festas! Boas Festas!"

E ninguém pede contribuições especiais, nem abonos nem presentes — mesmo porque se isso acontecesse, Jesus não nasceria. Como podia Jesus nascer num clima de tal sofreguidão? Ninguém pede nada. Mas todos dão qualquer coisa, uns mais, outros menos, porque todos se sentem felizes, e a felicidade não é pedir nem receber: a felicidade é dar. Pode-se dar uma flor, um pintinho, um caramujo, um peixe — trata-se de uma ilha, com praias e pescadores! — uma cestinha de ovos, um queijo, um pote de mel... É como se a Ilha toda fosse um presepe. Há mesmo quem dê um carneirinho, um pombo, um verso! Foi lá que me ofereceram, certa vez, um raio de sol!

Na Ilha de Nanja, passa-se o ano inteiro com o coração repleto das alegrias do Natal. Essas alegrias só esmorecem um pouco pela Semana Santa, quando de repente se fica em dúvida sobre a vitória das Trevas e o fim de Deus. Mas logo rompe a Aleluia, vê-se a luz gloriosa do Céu brilhar de novo, e todos voltam para o seu trabalho a cantar, ainda com lágrimas nos olhos.

Na Ilha do Nanja é assim. Arvores de Natal não existem por lá. As crianças brincam com pedrinhas, areia, formigas: não sabem que há pistolas, armas nucleares, bombas de 200 megatons. Se soubessem disso, choravam. Lá também ninguém lê histórias em quadrinhos. E tudo é muito mais maravilhoso, em sua ingenuidade. Os mortos vêm cantar com os vivos, nas grandes festas, porque Deus imortaliza, reúne, e faz deste mundo e de todos os outros uma coisa só.

É assim que se pensa na Ilha do Nanja, onde agora se festeja o Natal.

[Cecília Meireles, "Natal na Ilha do Nanja", in: Vários autores. Quadrante 1, Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1966.]

domingo, 21 de dezembro de 2008

José Paulo Paes




Ele sempre foi um dos meus poetas preferidos, daqueles que a gente nunca se cansa de reler, redescobrir. Sua palavra precisa, seu domínio do verso, seu poder de concisão, habilidades a cada livro mais afiadas e refinadas, sobretudo seu humor e seu olhar irônico, cético, crítico e ético do mundo — olhar cada vez mais pessoal — me conquistaram para sempre. Agora, quando a Companhia das Letras está lançando sua Poesia Completa, volto com todo o prazer a falar dele e a mostrar um pouco de sua poesia.
José Paulo Paes sabia residir na concisão a essência do poema. Ele a foi perseguindo e conquistando, e produziu maravilhas como estas, sobretudo a partir de Calendário perplexo (1983):

Poética

conciso? com siso
prolixo? pro lixo

Epitáfio para um sociólogo
deus tem agora
um sério concorrente


Celebridade
Eu sou o poeta mais importante
da minha rua.
(Mesmo porque a minha rua
é curta.)


Sucessão

o concretismo está morto
viva a poesia
concreta

Múltiplo, escreveu também poemas longos, assim como deliciosos, inventivos poemas para crianças, reunidos em vários livros. Foi crítico literário de alto nível. Foi também excelente tradutor — aprendeu grego somente para traduzir do original os poetas da Grécia que amava, sobretudo os modernos, como Kaváfis, que difundiu pelo Brasil, ao lado de outros importantes escritores de outras partes, como Williams Carlos Williams, Rainer Maria Rilke, Edgar Allan Poe, etc. Talvez por isso seja um dos raros poetas a valorizar tradutores:
Do Evangelho de São Jerônimo
A tradução — dizem-no com desprezo — não é a mesma
coisa que o original.

Talvez porque tradutor e autor não sejam a mesma pessoa.

Se fossem, teriam a mesma língua, o mesmo nome, a mes-
ma mulher, o mesmo cachorro.

O que, convenhamos, havia de ser supinamente monótono.

Para evitar tal monotonia, o bom Deus dispôs, já no dia da
Criação, que tradução e original nunca fossem exata-
mente a mesma coisa.

Glória, pois, a Ele nas altura, e paz, sob a terra, aos leito-
res de má vontade.


Aproximou-se dos modernistas e concretistas, porém, com exceção do primeiro livro (muito inspirado em Drummond), não se deixou influenciar excessivamente, no sentido de permitir o abafamento de sua voz, por quaisquer tendências literárias. Seu compromisso era com a qualidade da poesia. Homem de esquerda, porém sem se filiar a partidos, foi crítico — indignado no início, irônico depois —, da mercantilização excessiva e da exploração, da sociedade de consumo, enfim, assim como defensor da ética. Escreveu poemas de amor para a mulher, Dora, companheira da vida toda.

Madrigal
Meu amor é simples, Dora.
Como a água e o pão.

Como o céu refletido
Nas pupilas de um cão.


Cena Legislativa

Primeiramente condenou-se a pomba
Por amar uma paz entorpecente
Onde o leão perde a juba e a hiena os dentes.

Depois, condenou-se o cordeiro
A perigosa dúvida que o anima.
O rio dos lobos corre sempre para cima.

Condenou-se a cigarra, finalmente.
Pelo crime de cantar nas horas vagas.
Que a faina das formigas não tem paga.

Consolidada a ordem, festejou-se.
E o leão rugindo, a hiena rindo,
Os trabalhos foram dados por bem findos.

Tomar: mutatis mutandis

a capela dos templários em tomar é tão grande quanto o
palácio de herodes e nela os cruzados assistiam à missa
montados em seus corcéis.
a sinagoga de tomar é tão pequena quanto uma estrebaria
onde só houvesse lugar para uma vaca um burrinho e
um recém-nascido.

Nascido em 1926 em Taquaritinga, interior de São Paulo, José Paulo Paes mudou-se aos dezenove anos para Curitiba, a fim de estudar química industrial. Inspirado talvez pelo avô tipógrafo, nessa época já demonstrava amor pela literatura: ligou-se aos intelectuais de Curitiba (1945-49), colaborando na revista Joaquim, dirigida por Dalton Trevisan, e publicando suas poesias no livro O aluno (1947). Na cidade de São Paulo, onde viveu de 1949 até falecer, em 1998, trabalhou como químico e, a partir de 1963, como editor da Cultrix. Nos últimos dez anos de vida, aposentado, dedicou-se integralmente à literatura, produzindo muito como poeta, crítico e tradutor, e reunindo em torno de si um círculo fiel de intelectuais amigos, com quem adorava dialogar. Foram seus anos de alforria, como gostava de dizer. Publicou muito ao longo da vida, destacando-se, em poesia, seus livros Meia palavra (1973), A poesia está morta mas juro que não fui eu (1988) e Prosas seguidas de Odes mínimas (1992). De saúde frágil, nos últimos anos de vida teve uma perna amputada; sobre este assunto, escreveu:
À minha perna esquerda


Longe
do corpo
terás
doravante
de caminhar sozinha
até o dia do Juízo.

Não há
pressa
nem o que temer:
haveremos
de oportunamente
te alcançar.

Na pior das hipóteses
se chegares
antes de nós
diante do Juiz
coragem:
não tens culpa
(lembra-te)
de nada.

Os maus passos
quem os deu na vida
foi a arrogância
da cabeça
a afoiteza
das glândulas
a incurável cegueira
do coração.
Os tropeços
deu-os a alma
ignorante dos buracos
da estrada
das armadilhas
do mundo.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Os (novos) rumos da história

Bruce Corbitt, Transformation

Ano-novo se aproximando, e neste momento mágico do calendário, quando um tempo se esvai e outro ainda não começou, sinto uma vontade incontrolável de mudar, transformar, revolucionar, criar. Abandono medo e culpa, faço planos ousados para o futuro, antevejo revoluções, incêndios, jardins, motins, alpinismos, colos, viagens exóticas, conquistas, vales perdidos, olho no olho do amor, do diabo, da trapaça, da revelação...

Um laivo de realismo, algum fio de bom senso me levam a começar pelo pequeno: que tal mudar primeiro este blog, construído na cara e na coragem neste ano que se finda, quando eu era completamente analfabeta em todo e qualquer aspecto da blogosfera, e, numa vertigem, me joguei neste mundo virtual que agora, analfabeta apenas funcional, e louca de paixão não abandono mais por nada deste mundo? Gostei do tom amarelado que primeiro escolhi para o blog, parecia-me sóbrio, lembrava-me os velhos livros de meu pai, e também do marrom de suas vinhetas, capazes de me transportar a tintas de antigos tinteiros que nem sei se existiram. Mas este enredosetramas ficou foi ruim demais de ser lido, atravancado, com letras juntinhas, sem ar, luz nem espaço... E, ainda por cima, o Bernardo, em quem eu me apoiava porque tinha um blog do mesmo modelo do meu, de repente abandonou o barco, digo, o blog, mudando o dele!

Sabem de uma coisa? Se meu blog continuar assim, amarelo-livro-velho e marrom-tinteiro, daqui a pouco vai atrair teia de aranha e cheiro de creolina, por mais que eu me esforce para apresentar conteúdo atual, instigante, interessante, até mesmo sexy, fizer strip-tease, etc. Sabem de outra coisa? Revoluções começam em casa! Aux armes, citoyens!

Pronto, já fiz. Mudei o visual. Espero que gostem. Com o tempo deve ficar melhor, porque aos poucos irei aprimorando fontes e cores. Se não gostarem, vocês e eu estaremos lascados, porque eu não tenho a mínima idéia de como voltar ao visual anterior. Mas me conformo pensando que as mudanças da história nem sempre são para melhor, he he
ÓTIMO ANO-NOVO A TODOS!!!

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Florbela Espanca:os sentimentos expostos

[Este post integra a blogagem coletiva sobre Florbela Espanca proposta por Flor para hoje, 8 de dezembro, aniversário da grande poeta portuguesa. Descobri Florbela na adolescência, permanecendo desde então fiel à sua total falta de vergonha em expor, gritar, vociferar, uivar seus sentimentos ao mundo, inclusive os mais secretos e menos aceitos socialmente, em versos construídos com maestria. Creio que todos temos vontade de, vez ou outra, berrar ao mundo o quanto sofremos, o quanto nos sentimos sozinhos, abandonados, tristes, revoltados, inseguros, sem amor, auto-estima nem vontade de viver... Florbela diz isto por nós, com uma verdade e um despudor difíceis de alcançar. Seu grande tema é o amor irrealizado.]

Filha ilegítima, juntamente com seu irmão Apeles, de João Maria Espanca e da criada Antónia da Conceição Lobo, Florbela Espanca (1894 -1930) e seu irmão Apeles foram registrados como filhos de pai desconhecido. Contudo, ambos foram educados pelo pai e pela mulher dele, Antónia da Conceição Lobo. Estudante em Évora e acadêmica de Direito em Lisboa, Florbela ligou-se a movimentos literários e feministas, pulicando textos em revistas e jornais e dois excelentes volumes de poesias, Livro de Mágoas (1919) e Livro de Sóror Saudade (1923). As desilusões da vida amorosa — casou-se e se separou 3 vezes —, o intenso sofrimento devido à morte de seu adorado irmão Apeles, ao lado de sérios problemas de saúde conduziram a poeta a uma profunda depressão. Morreu aos 36 anos de idade, oficialmente de edema pulmonar. O pai a perfilhou só 19 anos após a morte dela, quando da inauguração de um busto de Florbela em Évora. Postumamente foram publicados outros livros da poeta, como Charneca em flor, além de diversos volumes de suas cartas.

Para ilustrar a poesia de Florbela Espanca, escolhi estes dois sonetos:

Anseios

Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha que cais!

Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quimeras irreais,
Não valem o prazer duma saudade!

Tu chamas ao meu seio, negra prisão!
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbres o brilho do luar!

...Não 'stendas tuas asas para o longe...
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela,a soluçar...

Amar

Amar!Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui...além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar!E não amar ninguém!

Recordar?Esquecer?Indiferente!...
Prender ou desprender?É mal?É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Escrever por prazer

Caricatura daqui

Uns escrevem para se expressar, outros para se suportar, outros para ensinar... Mil são as motivações para escrever. Alguns escrevem para divertir, a si mesmos e aos outros: escrevem por prazer. É o caso de Bernardo Guimarães e Maria Judith Ribeiro, no livro Morte Abjeta (Salvador, 2002, edição dos autores). O próprio Bernardo, em seu blog, explica o livro:

"Maria Judith Ribeiro é minha amiga desde os anos 70. Em 72 namoramos e acho que não nos suportamos mais que seis meses e decidimos ficar amigos, que era mais negócio, se bem que ela nunca engoliu a história de Tuca, a namorada que veio em seguida; ficou por aí algo meio que mal resolvido. Até hoje a menção da palavra Tuca lhe causa reações inesperadas, como se mijar em publico ou me esbofetear se minha cara-de-pau (SIC) estiver a seu alcance. Nunca perdemos contato, apesar de serem sempre entremeados de acusações mútuas, recheadas de carinho. Maria sempre gostou muito de escrever, escrevia cartas de verdade, mandadas pelo Correio e tudo. Depois passou, não sem certa dificuldade devida à baixíssima coordenação motora, para o teclado e e-mails. Um belo dia recebi um desafio de responder, como se verdade fosse, a um texto que me enviaria no dia seguinte. E recebi. Ela me avisava que, ao retornar de suas férias, teria sido testemunha de um assassinato no seu lugar de trabalho. Respondi com minhas preocupações e a partir daí e por quase dois anos, passamos a nos corresponder até concluir o "caso". Quando recebia seu e-mail, Vera lia e gargalhava com as maluquices em nossa troca de textos e insistia em que devíamos publicar para que outros também pudessem rir. Foi assim que nasceu "Morte Abjeta", o livro.”
Gente, o livro é de chorar de rir. Os dois autores são engraçadíssimos, cheios de imaginação, anarquizam o tempo todo um com o outro, criam situações inusitadas, rocambolescas... e a gente não consegue parar de ler! Tem de tudo: morte abjeta (nojenta!), São Fudêncio, piadas, depoimento de gaúcho machão sobre homossexual sergipano, gozações mis com quase tudo (incluindo determinados aspectos da veneranda Justiça), acertos de contas com o passado, xingamentos, causos cabeludos e carecas... tudo isso ao tempero baiano. Eu me diverti muito — e como estava precisando! Tive a nítida sensação de que os autores se divertiram mais ainda. Valeu, gente, obrigada!
Passei por uma experiência parecida com a de Bernardo e Judith. Com mais nove autores, escrevi A Nave de Noé (Rio, Editora Record, 1999), livro todo de e-mails (como Morte Abjeta), dedicado ao público adolescente. A internet estava então começando a se espalhar pelo Brasil, e nós, um grupo formado por irmãos e primos residentes em diversas partes do país, alguns deles escritores, outros leitores contumazes, passamos a trocar e-mails entre nós. Trocamos tantos que, meio sem sentir, aos poucos fomos construindo o que depois se tornou o livro. Cada um criou e assumiu um personagem — eu, por exemplo, era a Janinha Sherlock —, que ajudava a desvendar (outra semelhança com Morte Abjeta) um grande mistério, em meio a aventuras, romance e muito humor. O livro foi feito assim: um de nós mandava um e-mail para o grupo todo, como se fosse o personagem do livro, e outro personagem respondia, fazendo a ação girar. Posso dizer que nunca me diverti tanto ao escrever. Escrever por prazer e para dar prazer é bom demais!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O velho Machado sabia


[Tenho a impressão de que Machado de Assis, no final de sua vida e da obra, sabia tudo que é possível a um homem saber sobre a existência. Ao ler sua imensa (nos dois sentidos) obra, me delicio sempre com a cultura, imaginação, estilo, perspicácia do autor... Sabia tudo, realmente. Abaixo, pequeno trecho de um ensaio onde Machado apresenta, com simplicidade, sua sugestão para o difícil, perene dilema do regionalismo X universalismo em literatura:]


“Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região; mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço. Um notável crítico da França, analisando há tempos um escritor escocês, Masson, com muito acerto dizia que do mesmo modo que se podia ser bretão sem falar sempre do tojo, assim Masson era bem escocês, sem dizer palavra do cardo, e explicava o dito acrescentando que havia nele um "scotticismo" interior, diverso e melhor do que se fora apenas superficial.”

"Notícia da atual literatura brasileira. Instinto de nacionalidade", publicado originalmente em "O Novo Mundo", 24/03/1873.
Obra Completa de Machado de Assis,Rio de Janeiro: Nova Aguilar, vol. III, 1994]

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