sábado, 29 de novembro de 2008

Amor começa tarde

[Foto daqui]

[Aos meus jovens amigos apressados e aos meus maduros amigos desencantados]

Amor e seu tempo

Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe

valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.
[Carlos Drummond de Andrade. Alguma poesia]

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

I am fine

Amigos, leiam por favor este texto.

domingo, 16 de novembro de 2008

Rosalia de Castro


Filha de uma fidalga solteira e de um padre, Rosalia de Castro (Camiño Novo, 1837- Padrón,1885, ambos na Galícia) foi criada pelas tias paternas e depois pela mãe, com quem se mudou para Santiago de Compostela. Aí se educou e se ligou aos movimentos nacionalistas, que reivindicavam a autonomia da Galícia frente à Espanha e o respeito à cultura local. Uniu-se também a socialistas e republicanos. Casada com o intelectual Manuel Murguía, teve filhos e morou em várias cidades espanholas, até fixar-se na sua amada Galícia, onde morreu. Rosalia —pronuncia-se “Rosalía” — de Castro escreveu com sentimento sobre diversos acontecimentos de sua vida, como sua origem, os filhos que morreram, o casamento, a situação da mulher.
Seu livro Cantares gallegos, editado em 1863, época em que o galego já era considerado idioma ágrafo, sem escrita, foi a primeira obra moderna publicada em galego. “Ela foi a primeira a dar nome às nossas coisas”, costumam dizer os galelos, hoje. Vários poemas de Rosalia, baseados em trovas e canções populares, falam da falta de liberdade na Galícia, da submissão a Castela e da emigração forçada dos galegos, devido às dificuldades econômicas. A luta e o lirismo são marcas de sua poesia.


XXVIII

Castellanos de Castilla
Tratade ben ôs galegos:
Cando van, van como rosas.
Cando vên, vên como negros.


Cuando foi, iba sorrindo,
Cuando veu, viña morrendo
A luciña d’os meus ollos,
O amantiño do meu peito. [...]

Foi a Castilla por pan,
E saramagos lle deron;
Déronlle fel por bebida,
Peniñas por alimento.

Déronlle, en fin, canto amargo
Tén á vida no seu seo...
!Castellanos, castellanos!
Tendes corazón de ferro.

!Ay! no meu corazonciño
Xa non pode haber contento,
Qu’ está de dolor ferido,
Qu’ está de loito cuberto.

Morreu aquel qu’eu queria,
E para min n´hai consuelo:
Sólo hai para mim, Castilla,
A mala ley que che teño.

Permita Dios, castellanos,
Castellanos que aborreço,
Qu’antes os gallegos morran
Qu’ ir a pedirvos sustento. [...]

Castellanos de Castilla
Tratade ben ôs galegos:
Cando van, van como rosas.
Cando vên, vên como negros.



I-IV

Cantart’ei, Galicia,
Teus dulces cantares,
Qu’asi mó pediron
Na veira do mare.

Cantart’ei, Galicia,
Na lengua gallega,
Consolo dos males,
Alivio das penas.

Mimosa, soave,
Sentida, queixosa,
Encanta se ríe,
Commove si chora.

Cal ela, ningunha
Tan dulce que cante
Soidades amargas,
Suspiros amantes.

Misterios da tarde,
Murmuxos da noite:
Cantart’ei, Galicia,
Na veira das fontes.

Qu’así mó pediron,
Qu’así mó mandaron,
Que cant’e e que cant’e
Na lengua qu’eu falo. [...]

[Rosalia de Castro. Cantares Gallegos. Santiago de Compostela, Libería Editorial Galí, 1981, quarta edição. Cantos XXVIII e I-IV, pp. 163-166 e 22. ]

Na Idade Média, durante cerca de 700 anos, o idioma galego-português foi língua culta, usada na Galícia e Portugal atuais, assim como em outros reinos da atual Espanha. O rei castelhano Afonso X, o Sábio, por exemplo, escreveu em galego-português. Essa língua foi tão importante que originou a segunda mais volumosa literatura medieval do Ocidente, após a da Occitânia. Entretanto, a partir do século XV, durante o processo de formação da Espanha moderna, várias regiões, inclusive a Galícia, foram submetidas ao reino de Castela. Em consequência, o castelhano tornou-se o idioma oficial da Espanha, proibidos o ensino e a escrita de todos os idiomas regionais (catalão, valenciano, basco, etc.). O galego —evolução do galego-português—, condenado a língua ágrafa, sofreu refluxo, mas, desde a segunda metade do século XIX, graças a movimentos como o de Rosalia de Castro, renasceu. Hoje, é falado, ensinado em escolas e veículo de uma rica literatura. Portugal, que no século XII se tornou independente dos outros reinos ibéricos, continuou a usar livremente o galego-português, que mais tarde evoluiu para o português. O galego e o português continuam línguas muito próximas, como se vê nos poemas.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Eu sou

Hoje tem poeminha aqui.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

As nossas áfricas

(Maracatu final da aula-espetáculo de Ariano Suassuna - de terno branco, no canto do palco. Foto de Luiz Carlos Figueiredo.)

Só pra assistir à abertura já valeu a pena ter ido à Fliporto, a IV Feira Literária de Porto de Galinhas, PE. Consistiu de uma aula-espetáculo do grande escritor Ariano Suassuna, atualmente com 81 anos de idade, que é Secretário de Cultura do Estado. Com inteligência, originalidade, humor imbatível e vitalidade, Ariano conduziu o espetáculo Nau – Sagração nº 2, um passeio musical por diferentes momentos da história brasileira. Foi acompanhado por cinco músicos profissionais, dirigidos pelo maestro Antônio Madureira, e também por cinco bailarinos, dirigidos por Maria Paula Costa Rêgo, estes egressos de regiões pobres do Recife, resgatados por programas sociais. Músicos e bailarinos são hoje funcionários da Secretaria de Cultura, “meus assessores”, como os definiu Ariano; achei isso bacana. Finalizado com um maracatu, o espetáculo foi um deslumbre de beleza, competência e sensibilidade. Penso que, no conjunto, os artistas pernambucanos e os radicados em Pernambuco são os que melhor e mais alto sabem elevar a cultura popular brasileira.
Bom, mas se tratava de uma feira literária, este ano tendo como tema o diálogo entre escritores africanos e latino-americanos. Diferente das bienais do livro, nas feiras literárias todos os participantes, escritores e leitores, ficam por ali, participando dos eventos, papeando, se conhecendo. Assistimos às palestras e passeamos todos por Porto de Galinhas (eleita de novo a melhor praia do Brasil), cuja vila, normalmente encantadora, estava apinhada de gente descobrindo comidinhas, artesanatos e livros.
Achei particularmente interessante assistir às conversas entre os escritores africanos, que, ainda pouco conhecidos por aqui, desta vez compareceram em grande número. Eles e suas histórias se parecem tanto conosco... mas ao mesmo tempo são diferentes, como são diferentes entre si os de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe. Estavam lá desde escritores consagrados, como o angolano Pepetela, Prêmio Camões de 1997, autor, entre outros, de Jaime Bunda – Agente Secreto; até autores ainda jovens mas já reconhecidos, como José Eduardo Agualusa (que tem quatro histórias sendo filmadas,uma delas pela Conspiração Filmes; é autor do excelente O Vendedor de Passados, sobre um sujeito que vendia passados em Angola, isto é, falsas genealogias e falsos feitos – “Já que não se pode mudar o futuro das pessoas, ele mudava o passado”, nos explicou Agualusa); até jovens como o angolano Odjaki, autor de um delicioso livro, que estou terminando de ler, Os da minha rua (Rio, Língua Geral, 2007), sobre a vida de crianças em Luanda.
Gostei também de conhecer uma escritora moçambicana, Paulina Chiziane. Ela mostrou como, no passado, via e lia o mundo através de um véu; mas, decidida certo dia a retirar esse véu, pôde ver, ouvir e recontar as histórias secretas das mulheres de Moçambique, “aquelas que os homens, mesmo quando as conhecem, não entendem”, nos explicou. Foram muitas descobertas na Fliporto. A verdade é que a gente sabe tão pouco sobre a África em geral, sobre a África de fala portuguesa, sobre a literatura em português da África... Vim carregada de livros, para tentar diminuir a minha ignorância.
Entre os brasileiros, também muita diversidade, gente desde o venerável Thiago de Mello até autores jovens, como Bruno Piffardini, que estão surgindo e divulgando seus escritos principalmente nos blogs. Havia também estudiosos de literatura; destaco a palavra sempre inteligente de Cláudio Willer e uma palestra sensacional de Antonio Carlos Secchin, sobre a ausência de paternidade e a adoção de pais substitutos em José de Alencar, Mário de Alencar (filho de José) e Machado de Assis.
Gente, foi bom demais, quis dividir um pouco com vocês.

[Muito obrigada a todos pelos recadinhos deixados nos blogs durante minha ausência. Estou descobrindo que a blogosfera pode ser muito carinhosa. A-do-ro isso!]

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Até breve




Amigos, a partir de quinta, 6 de novembro, até pelo menos domingo à noite, 9 de novembro, estarei ausente daqui. Vou assistir à Fliporto, Feira Literária Internacional de Porto de Galinhas, PE, cujo tema, este ano, me pareceu particularmente interessante: a diáspora africana e o diálogo literário entre África e América Latina. Estarão presentes vários escritores africanos e brasileiros, além de gente que gosta de ler, durante quatro dias reunidos no belo litoral pernambucano. Depois eu conto. Abraços.

sábado, 1 de novembro de 2008

A esperança se chama Barack Obama


Barack Obama será eleito presidente dos Estados Unidos (toc, toc, toc). Trajetória incrível, a deste homem. Em um país partido pelas diferenças raciais, onde brancos e negros dificilmente convivem entre si, ele nasceu no mais distante Estado americano, o Havaí, filho de mãe branca e pai negro, do Quênia. Foi criado pela mãe e avós maternos, naturais do Estado do Kansas, brancos como a neve, num Havaí entupido de asiáticos. Na infância, viveu durante alguns anos também na Indonésia, pois sua mãe se casou de novo, com um indonésio (ele tem uma linda irmã por parte de mãe, Maya, nascida na Indonésia). Tudo isso o deixou confuso, ansioso por entender qual o seu lugar no mundo: meus familiares “não compreendiam que eu precisava de uma raça”, escreveu Obama em sua emocionante autobiografia, chamada em português A Origem dos meus sonhos (Ed. Gente, 2008).

Esta autobiografia foi publicada há muitos anos, antes de Obama sequer pensar em ser político. Quando cursava a pós-graduação em Harvard, ele foi eleito o primeiro afro-americano a dirigir a prestigiosa revista de Direito daquela universidade, chamando a atenção da mídia. Em conseqüência, foi convidado por uma editora para escrever sobre sua experiência racial. Acabou relatando a história da própria vida, com suas múltiplas relações raciais, e o que ela lhe havia ensinado sobre o assunto.

Na onda da eleição presidencial, o livro foi republicado. Nele, Obama refere-se muito ao pai (de quem herdou o nome), ou melhor: à sua busca pelo pai. Obama pai saiu do Havaí quando o filho era pequeno, para se tornar o primeiro africano a cursar pós-graduação em Harvard. Contudo, não retornou ao Havaí, mas ao seu Quênia natal. Obama o viu apenas mais uma vez, em Honolulu. Aquele pai ausente, quase endeusado pela família da mãe, tornou-se o grande enigma da vida do filho. Durante os anos de universidade, cursada na Califórnia, quando o movimento negro se radicalizava nos EUA, Obama gostava de pensar num pai idealizado, símbolo do “verdadeiro africano”, homem puro, bom, orgulhoso de suas origens, espécie de símbolo do qual os afro-americanos descendiam. O pai morreu quando ele terminou a universidade.

Alguns anos depois, ao visitar sua numerosa família no Quênia, Obama descobriu que seu pai já era casado quando encontrou sua mãe, que tivera muitos filhos, antes e depois dele, e que sua atuação pessoal e política no Quênia, longe de ter sido reta e gloriosa, fora irregular e bastante polêmica. Numa aldeia do interior do Quênia, Obama conheceu enfim o lado humano e o sofrimento da vida do pai quando criança, narrados pela avó paterna. Foi ali, junto ao túmulo do pai, enterrado no quintal da avó, que Obama enfim se reconciliou com suas origens e com a figura do pai, finalmente humanizado e amado.

Entre o término da universidade e a pós em Harvard, Obama trabalhou anos como organizador social em Chicago, cidade com alto número de afro-americanos miseráveis e pobres. Contando com poucos recursos, na base da tentativa e erro, desenvolveu um trabalho brilhante junto àquelas comunidades. Daí foi para Harvard, com o intuito de se aprofundar em Direito – essencial para a defesa dos pobres -, e, de volta a Chicago, desenvolveu um trabalho ainda melhor, que incluiu da defesa legal de prisioneiros condenados à pena de morte (livrou mais da metade deles, gente pobre que nunca tivera advogados decentes) até atuação junto a grupos de aidéticos, alcoólatras, drogados e todo tipo de desajustados sociais. Eleito primeiro à Assembléia Legislativa de Illinois, venceu depois a disputa para Senador por este mesmo Estado, contra todas as previsões. Atualmente, é o único senador afro-americano dos EUA. Sua indicação como candidato democrata à Presidência da República também foi surpresa, já que, no início, todos esperavam a vitória da ex primeira dama e experiente política Hillary Clinton.

Obama é um político diferente, que não deve ser analisado pelas mesmas lentes dos outros. Tem ligação visceral com os pobres (não apenas negros), conhece intimamente seus problemas, pois lidou a vida inteira com eles, mas, ao mesmo tempo, sua sólida educação permite-lhe, com a ajuda de uma boa equipe, pensar e propor soluções inovadoras para os problemas do seu país e do mundo. Ótimo orador, ótimo organizador – não venceu eleições apenas discursando, mas sobretudo fazendo organização de base, trabalho de formiguinha -, Obama é principalmente um negociador, um homem do diálogo, capaz de costurar acordos entre contrários, como sua história pessoal lhe ensinou a fazer. Não é à toa que, ao vencer Hillary em campanha que rachou seu partido, conseguiu reunificar os democratas. Mostrou também sua capacidade de dialogar, unir e construir durante o dramático episódio do desentendimento com seu pastor, o que gerou a pior crise de sua campanha; quando todos pensavam que Obama sucumbiria, ele se trancou no escritório por dois dias, para sair dali com o mais completo e bem pensado texto sobre as relações raciais nos EUA. Neste texto, entre outras coisas Obama assinalou que em seu país a questão racial não é discutida, sendo mais do que tempo para fazê-lo. “É preciso conversarmos sobre raça”, escreveu. E mostrou como os americanos deviam, e podiam, construir uma nação etnicamente integrada, não dividida.

Na prática política, Obama tem defendido soluções sociais e econômicas inovadoras, como as que inventou em Chicago, tem oferecido mudança, contra a mesmice conservadora. Contrário ao uso indiscriminado de armas no país, desde o início se opôs no Senado à guerra do Iraque, propondo utilizar os milhões economizados na guerra em programas educacionais e sociais dentro dos Estados Unidos. Possui também uma visão internacional dos problemas, ao contrário da maioria dos políticos norte-americanos, arrogantes e auto-centrados.

Os jovens foram os primeiros a compreender a mudança que Obama representa. Incendiados pela esperança, desde o início da campanha representam sua base eleitoral mais sólida. No começo, os afro-americanos dividiram-se entre ele e Hillary (os Clinton haviam feito um trabalho muito bom junto aos negros), mas depois se entusiasmaram com a possibilidade de eleição de um dos seus, e também com a perspectiva, como prega Obama, de, pela primeira vez na história, os EUA superarem rupturas e ressentimentos raciais e promoverem integração e harmonia racial. Pouco a pouco, Obama foi unindo americanos de diversas regiões, idades, etnias, ideologias e segmentos sociais. Fez isso adaptando ao mundo de hoje os chamados “valores americanos”, um conjunto de idéias que perpassa a história dos EUA – ou que os americanos acham que perpassa -, como democracia, propriedade privada, livre iniciativa, valorização do trabalho, respeito às diferenças, etc. Obama aprendeu com a própria experiência, transformando uma vida singular e difícil, vivida na intersecção, na corda bamba entre várias etnias e culturas apartadas, em uma forma solidária e rica de compreender o mundo. É um homem de pensamento próprio.

Sei perfeitamente que, eleito Presidente, fará muito menos do que desejaria ou poderia. O lobby de Washington é fortíssimo, os interesses dos grupos econômicos são muito poderosos, e agora a crise econômica se instalou bem no coração do seu país. Obama decerto terá de ceder, desviando-se de sua rota original em múltiplas concessões, como já o fez algumas vezes durante a campanha. Mesmo assim, será um Presidente infinitamente melhor do que o tacanho, fundamentalista e belicoso Bush, e também melhor do que Mc Cain. Sua eleição não está assegurada. Mas, se acontecer, será uma esperança de melhores tempos para os EUA e o mundo, para você, para mim, para todos nós. Estamos no mesmo barco.

Nossa, me empolguei, escrevi horrores. Aos que chegaram até aqui, meu muito obrigada, e desculpem a extensão do texto.

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