terça-feira, 28 de julho de 2009

chuva e não, de Sidney Wanderley


Nascido em 1958 em Alagoas, ele já publicou vários livros de poesia, é poeta lido e respeitado entre poetas. Acaba de publicar novo volume — recém-saído do forno, ainda não oficialmente lançado —, o lindo, comovente chuva e não (Maceió: Edições Catavento, 2009), que, segundo o próprio Sidney, “reúne o que o autor suporta ler de quanto produziu em trinta e três anos de exercício literário”. Exageros à parte — há ótimos poemas do autor deixados de fora —, o volume traz o melhor do muito bom, la crème de la crème, poesia pra se guardar e reler sempre. Dois aperitivos:

Gavetas

Aquela foto sobre a cômoda da tia
fez-me esquecer o que ali eu procurava,
e que jazia (e talvez ainda jaza)
nas gavetas que o tempo desfaria.

— Pois as gavetas que por certo eu perseguia,
repletas de memórias, e de poesia,
era em mim que se fechavam e se abriam.

Chuva e não (II)

Há dias em que chove poesia.
Dias em que pinga.
Dias em que não.

Cautela para os primeiros.
Atenção para os segundos.
Dos últimos, o áspero
aprendizado do silêncio,
a dura ração da recusa.

Alheios a chuva e poesia,
os dias prosseguirão.

* Imagem daqui

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A menina e a boneca

A menina e a boneca brincam hoje aqui.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

O mundo absurdo de Rui Manuel Amaral


Outro escritor português que tem me encantado ultimamente é o jovem Rui Manuel Amaral, nascido em 1973 na cidade do Porto. Publicou em 2008 seu primeiro livro, Caravana (Coimbra, Angelus Novus), que eu ainda não consegui adquirir, mas de que já gosto, pelos seus micro-contos absurdos que li na internet. Ele é também poeta, e dos bons.

Reproduzo abaixo um poema de Rui Manuel Amaral, encontrado neste ótimo blog da Amélia Pais, e um dos deliciosos micro-contos do autor, reproduzido deste excelente blog, do José Mário Silva.

Creio que Rui Manuel Amaral ainda é muito pouco conhecido no Brasil. Deliciem-se:

A noite está cheia de olhos.
Os olhos da noite observam os livros.
Os livros têm olhos verdes como certos bichos.
Os olhos da noite são azuis.
Sobre os olhos verdes dos livros
repousam os olhos azuis da noite.
Eu não vejo nada disto,
Apenas suponho.

Rui Manuel Amaral

O bibliotecário

Sempre ao fim da manhã e também ao fim da tarde, o bibliotecário recolhe os livros abandonados em cima das mesas. Aproveita para afagar as lombadas, ajeitar as folhas, limpar as capas, com gestos ternos e profissionais. Depois, e usando de todo o cuidado para não lhes causar algum desgosto ou perturbação, conduz cada livro ao seu exacto lugar. Com veemente paciência, procura então colocar cada volume na posição mais cómoda, alinhando a lombada com as restantes lombadas da mesma estante. As mãos tremem-lhe de tanto zelo.No entanto, e apesar do cuidado com que o bibliotecário se entrega à sua meticulosa tarefa, os livros dedicam-lhe uma profunda inimizade. Conspiram e manobram nas suas costas, desde o primeiro dia.O bibliotecário ouve-os falar e dá conta de tudo. Mas tanto se lhe dá porque ama verdadeiramente os livros. Porque ama-os apaixonadamente com todas as suas forças. Os livros, porém, não se deixam comover por estas demonstrações de afecto. Escarnecem do seu irritante desejo de agradar, lançam ofensas, urdem as piores armadilhas: os livros de história disfarçam-se de livros de botânica, os de medicina escondem-se sob as capas dos de teologia, e assim por diante.Ora, os mais acérrimos inimigos do bibliotecário são os livros de poesia. Já vi livros de poesia enterrarem os dentes, sem cerimónias, nas mãos pequenas do bibliotecário. Mais do que isso: já vi clássicos da poesia puxarem-lhe a língua, cuspirem-lhe na cara, chamarem-lhe falso Judas e lambe-cus. Felizmente, são dos menos solicitados pelos leitores. De facto, apesar dos seus esforços para atraírem as atenções, com as suas capas escandalosamente azuis ou desmesuradamente grandes, raras são as vezes em que saem do lugar. Por isso, o ódio cresce a cada dia que passa. E à noite, colados à sua imensa imobilidade, os livros de poesia sonham com a morte do bibliotecário.
Rui Manuel Amaral
*Imagem daqui

sábado, 11 de julho de 2009

Fernando Morais, poeta português


Uma das alegrias que a blogosfera tem me trazido é a descoberta de excelentes escritores portugueses, principalmente poetas. Quase a cada semana descubro um novo, e me encanto e me comovo e me apaixono e aprendo com seus textos, sem a mínima vontade de largar-lhes os blogs. Outro dia, lendo o excelente Domingo da Mota em Morcegos e Olhimancos (que delícia de nome! E ele tem ainda outros dois blogs), encontrei lá um poema de Fernando Morais que me chamou a atenção. Domingos me pôs em contato com Fernando, que gentilmente me enviou alguns poemas. Transcrevo um deles, que o autor explicou ser bastante recente:

O SERMÃO
Do púlpito saíam sons tremendos
não era fala de gente nem guinchos de bicho
eram ameaças para além da morte
eram chibatadas e roufenhas
quase palavras de castigo
As inocentes vítimas sentadas
murmuravam de cabeça baixa
num templo de fios eléctricos
microfones e sintetizadores…
Às tantas o discurso acabou
e passou a saca das esmolas
toda ufana e contente…
era a única que não estava assustada !

Fernando Morais nasceu em 1935 em Vila Nova de Gaia, cidade situada em frente ao Porto. Tem vários livros publicados, em edições do autor, como Poetas de Rua, O Ano Tenebroso, Viver é Muito Mais e, deste ano, em edição revista e ampliada, A Cidade Ocupada pela Poesia. Fernando Morais lutou contra o salazarismo, sendo por isso preso. Ao longo da vida, tem se posicionado contra as injustiças sociais. Sua poesia apresenta acentuado cunho social.
A foto deste post me foi enviada pelo próprio Fernando. Quando eu quis saber se o barco era dele, explicou-me: “O barco é para turista ver, está ancorado no Rio Douro e eu habito um pouco longe, a 1 kilómetro de distância. O barco chama-se ´rabelo´, é um tipo de embarcação que transportava pipas de vinho através do rio para o interior de Portugal.”

Fernando Morais, com razão, é um entusiasta do seu cantinho no mundo: “Esta região é um sonho poético, uma beleza inexcedível e a viagem de combóio ao longo da margém até à Régua tem a fama de ser a 8ª maravilha do mundo. É aqui que eu sonho com uma vida melhor (para todos os povos).”

domingo, 5 de julho de 2009

Imóvel bem salgado


Acompanhando as dificuldades do meu e-amigo Chorik para encontrar sua nova casa, lembrei-me da história da compra do apartamento onde moro, acontecida há alguns anos.
Meu marido e eu havíamos nos mudado recentemente de Brasília para Maceió, em busca de sol, mar, calor, uma nova etapa de vida. Para experimentar a cidade, alugamos um apartamento. Ótimo, por sinal: no quinto andar, próximo ao mar, linda vista, aluguel em conta, rua calma.
Um ano depois, decididos a nos estabelecer em Maceió, quisemos comprar um apartamento. Parecia fácil: somente no prédio onde morávamos, e de que tanto gostávamos, havia três apartamentos à venda, com possibilidade de mais dois. Era questão de conversar com os vizinhos e... e...
Nada deu certo. A vizinha do oitavo andar, o nosso preferido por ser o mais alto, desistira de vender o imóvel. O pessoal do sétimo andar parece que se envolvera em um escândalo, e tomara um chá de sumiço. O proprietário do terceiro andar queria vender o apartamento, mas sua mulher, não. O dono do lugar onde estávamos queria continuar alugando-o. E por aí foi. Depois de várias tentativas infrutíferas, chegamos à conclusão de que, em nosso prédio, não havia nenhum apartamento disponível para compra.
Começamos a procurar em outros prédios. Quer dizer, começamos, não — eu comecei, já que o marido declarou não ter a menor paciência para isso. Veria apenas os apartamentos que eu selecionasse. Eu procurava, procurava... e voltava para casa desanimada, constatando: “Este nosso apartamento alugado é muito melhor”.
Pensamos em desistir, não comprar coisa nenhuma, continuar exatamente onde estávamos. Mas fomos tragados por mais uma dessas imensas ondas de insegurança que periodicamente assolam o Brasil: Lula ia tomar posse, os boatos fortíssimos, reforçados por comentários diários da imprensa, eram de que a comunidade internacional se oporia energicamente à política econômica do novo governo, que nosso país ia quebrar, que... Confusos, sem entender de negócios, temerosos de vir a perder todas as economias das nossas vidas, decidimos comprar de qualquer forma um imóvel, mesmo pequeno, mesmo um não tão bom, para garantir um lugar seguro onde morar.
Mas estávamos tristes, afinal esse não era o nosso verdadeiro desejo. Queríamos um apartamento iluminado, gostoso de estar, agradável para receber os amigos, parecido com o nosso novo estilo de vida ... e teríamos de nos contentar com algo completamente diferente. Àquela altura, nosso dia-a-dia havia se transformado num inferno. Dezenas de corretores — um dos grupos mais chatos e inconvenientes que existem — nos telefonavam a cada minuto, para oferecer tudo o que não desejávamos.
Aborrecida, desgastada, sem saber o que fazer, resolvi dar um tempo em tudo aquilo: marquei uma massagem. Haviam me dito que a massagista era sensacional, alguém que, além de entender de músculos, nervos e dores do corpo humano, era profundamente espiritualizada, capaz de, ao nos tocar, perceber em nós coisas que não percebíamos, e nos ajudar.
A massagem de Ana era realmente ótima. Deitada sobre lençóis muito limpos, ouvindo música zen, sentindo o aroma delicioso de incensos, massageada por mãos que sabiam fazer relaxar cada músculo tenso do meu corpo, eu já estava começando a dormir, quando ela perguntou, me massageando:
— Como vai a sua vida?
— Hmmmm...
— Não há nada preso em você, algum assunto que não está correndo como deveria?
Pronto. Era o tipo de estímulo perfeito para eu falar do grande assunto da minha existência no momento, meu assuntúnico. Saí do torpor e contei a ela, em detalhes, todos os meus desgostos imobiliários.
Ana ia ouvindo, o rosto sério, concentrada, enquanto me massageava. Ao final, deu seu veredicto:
— Você está com obstrução de energia.
— Ãh?
— Energias negativas – ela explicou -, vindas talvez da inveja, ou de outras coisas, não sei, estão envolvendo você e seu marido, colocando-se entre vocês dois e o apartamento que querem comprar. Posso sentir isso no seu corpo: ele está cheio de nós que não deixam sua energia fluir, vê? – apertou minha perna esquerda, quase me fazendo urrar de dor. — Você tem de tomar providências urgentes.
— Providências urgentes?
— Sim! Vá até o Mercado da Produção, compre sal grosso, faça uma mistura assim assim e ...
Descreveu em minúcias todo o ritual do banho de sal grosso que eu deveria tomar. Na despedida, ainda me disse: — Não se esqueça: concentre-se, o importante é a intenção. Trata-se de um ritual.
Ao chegar em casa, soube que um apartamento menos ruim, no qual havíamos depositado nossas esperanças nos últimos dias, acabara de ser vendido a outra pessoa.
— Rumo ao Mercado da Produção! – exclamei.
Foram precisos três dias de dedicação incansável para convencer o marido a ir comigo até o mercado, do outro lado da cidade, sob chuva intensa, fazer algo em que ele não via sentido algum.
Ao chegarmos lá, nem foi necessário descer do carro, pois logo enxergamos uma senhora carregando pequenos sacos de plástico transparente, cheios de bolinhas de sal. O marido a chamou, e, exagerado como é, comprou quatro saquinhos, de um quilo cada. Já ia arrancando o carro, quando eu lhe disse:
— Este sal aqui está todo sujo, não vê quantas bolotas pretas tem aqui no meio?
Em desespero, ele perguntou: — A massagista disse que o sal tem de ser limpo?
— Não disse, mas claro que tem de ser, ora essa! Onde já se viu fazer ritual com sal sujo?
Ele divisou outra vendedora (nunca pensei que a mercadoria saísse tanto!), chamou-a, comprou mais seis quilos de sal, colocou tudo em meu colo e, impaciente, perguntou: — Satisfeita? Podemos ir, finalmente?
Quando entramos em nossa garagem, atrás de nós entrou outro carro, que estacionou na vaga bem ao lado da nossa. Era a proprietária do apartamento do oitavo andar, o tal que nós havíamos cobiçado tanto, e que desistira de vendê-lo. Suspirando, ajeitei o melhor que pude meus dez saquinhos de sal grosso no colo, e com eles desci, batendo a porta do carro com o corpo.
Toda sorridente, a vizinha do oitavo andar caminhou até nós, dizendo:
— Boa tarde! Então, vocês continuam interessados em comprar meu apartamento? Decidi vendê-lo!
*Imagem daqui

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Sístoles e Diástoles

Sístoles e Diástoles

Trago em meu coração
Tristezas e tormentos.
Os sonhos? Afugento-os.
Fujo do que eles são.

Dos matizes da mágica
Dessa contração lida,
Da diástole, a vida,
Traço-a: tímida, trágica,

Involuntariamente,
Envolta nesse invólucro
Feito de verso, ausente.

Enfim, nesse sepulcro,
Enterro-me contente,
Findo o soneto e lucro!

Adriano Nunes

Este é um soneto inédito que gentilmente me enviou o poeta Adriano Nunes, do blog Que faço com o que não faço. Encontrei o Adriano no blog do Antônio Cícero, onde, na parte dos comentários, ele sempre postava os próprios poemas, em geral sonetos, alguns muito bonitos. Visitando seu blog, ali descobri um poeta em expansão, com domínio da técnica, extrema sensibilidade e uma fertilidade poética impressionante — o homem constrói poemas como quem respira —, além de um ser humano afável. Adriano é jovem, mas tem estrada em poesia, pois começou a poetar ainda criança. Promete-nos o primeiro livro, seleção dos melhores poemas, para o final deste ano. Em seu blog há outras poesias dele, além de uma ótima entrevista, dada ao Mariano, do Poeira de Sebo. Nela, entre outras coisas, Adriano Nunes conta que é médico (não sendo acaso, assim, o título do soneto acima), descreve seu processo criativo, e revela ... um heterônimo feminino!
*Imagem: Money, money (2009), do artista David Zink

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