quarta-feira, 22 de julho de 2009

O mundo absurdo de Rui Manuel Amaral


Outro escritor português que tem me encantado ultimamente é o jovem Rui Manuel Amaral, nascido em 1973 na cidade do Porto. Publicou em 2008 seu primeiro livro, Caravana (Coimbra, Angelus Novus), que eu ainda não consegui adquirir, mas de que já gosto, pelos seus micro-contos absurdos que li na internet. Ele é também poeta, e dos bons.

Reproduzo abaixo um poema de Rui Manuel Amaral, encontrado neste ótimo blog da Amélia Pais, e um dos deliciosos micro-contos do autor, reproduzido deste excelente blog, do José Mário Silva.

Creio que Rui Manuel Amaral ainda é muito pouco conhecido no Brasil. Deliciem-se:

A noite está cheia de olhos.
Os olhos da noite observam os livros.
Os livros têm olhos verdes como certos bichos.
Os olhos da noite são azuis.
Sobre os olhos verdes dos livros
repousam os olhos azuis da noite.
Eu não vejo nada disto,
Apenas suponho.

Rui Manuel Amaral

O bibliotecário

Sempre ao fim da manhã e também ao fim da tarde, o bibliotecário recolhe os livros abandonados em cima das mesas. Aproveita para afagar as lombadas, ajeitar as folhas, limpar as capas, com gestos ternos e profissionais. Depois, e usando de todo o cuidado para não lhes causar algum desgosto ou perturbação, conduz cada livro ao seu exacto lugar. Com veemente paciência, procura então colocar cada volume na posição mais cómoda, alinhando a lombada com as restantes lombadas da mesma estante. As mãos tremem-lhe de tanto zelo.No entanto, e apesar do cuidado com que o bibliotecário se entrega à sua meticulosa tarefa, os livros dedicam-lhe uma profunda inimizade. Conspiram e manobram nas suas costas, desde o primeiro dia.O bibliotecário ouve-os falar e dá conta de tudo. Mas tanto se lhe dá porque ama verdadeiramente os livros. Porque ama-os apaixonadamente com todas as suas forças. Os livros, porém, não se deixam comover por estas demonstrações de afecto. Escarnecem do seu irritante desejo de agradar, lançam ofensas, urdem as piores armadilhas: os livros de história disfarçam-se de livros de botânica, os de medicina escondem-se sob as capas dos de teologia, e assim por diante.Ora, os mais acérrimos inimigos do bibliotecário são os livros de poesia. Já vi livros de poesia enterrarem os dentes, sem cerimónias, nas mãos pequenas do bibliotecário. Mais do que isso: já vi clássicos da poesia puxarem-lhe a língua, cuspirem-lhe na cara, chamarem-lhe falso Judas e lambe-cus. Felizmente, são dos menos solicitados pelos leitores. De facto, apesar dos seus esforços para atraírem as atenções, com as suas capas escandalosamente azuis ou desmesuradamente grandes, raras são as vezes em que saem do lugar. Por isso, o ódio cresce a cada dia que passa. E à noite, colados à sua imensa imobilidade, os livros de poesia sonham com a morte do bibliotecário.
Rui Manuel Amaral
*Imagem daqui

10 comentários:

Anônimo disse...

Realmente muito bom, Janaína.
Sua garimpagem dos lusitanos é ótima.
Abraço.
Mariano

Unknown disse...

Muito bom mesmo!

Parabéns pelo bom gosto.

Beijinhos,
Ana Martins

MrBike disse...

Tenho o livro Caravana de Rui Manuel Amaral e é realmente muito bom.

Aninha Pontes disse...

Muito bom.
Mas é engraçado, olhar sob este aspecto que o autor vê e fala dos livros.
É bonito, é uma relação de aor.
Beijos querida, e obrigada pelo carinho com o Pablo.

Ana Tapadas disse...

Excelente. Eu não conhecia.
Obrigada Janaíana.
Espero que estejas bem.
Vamos ver se tenho um pouco mais de tempo para blogar.
Beijinho

dade amorim disse...

Ótimo escritor, o Rui. E que bom que você conhece o blog da Amélia Pais, uma amiga virtual de alguns anos.
Beijo beijo pra você, Janaína.

Carlos Barbosa disse...

Oi, Janaína. Bem-vinda. É sempre bom visitar seu blogue, boas dicas de leitura, bons textos, bacana este e o outro, também. Abr. (carlos)

Guilherme Canedo disse...

Eu não conhecia esse Rui Manoel Amaral, me deu uma louca vontade de comprar uns livros dele!

Gostei do seu texto também!

O conto é incrível!

Beijos

ADRIANO NUNES disse...

Janaína,


Ótima descoberta!O poema é belíssimo!

Abração!
Adriano Nunes.

Anônimo disse...

adorei a imagem e gostei do poemae da est´ria. ainda por cima der um conterrâneo meu (que não conhecia, confesso)

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