sábado, 28 de março de 2009

Viajando


Queridos amigos, comecei ontem uma viagem que deve durar até o início de maio. Por enquanto estou na Bahia, para o aniversário de 87 anos de meu querido pai, e para alguns compromissos. Daqui vamos (maridão junto) voar um pouco por esse mundo de meu Deus. Não vou levar o laptop, nem sei se conseguirei acesso frequente à internet. Vou tentar, sim, para registrar algumas impressões de viagem , para fazer contato com vocês - sem os quais não consigo mais viver! - e para não deixar que vocês se esqueçam de mim. Puxa vida, não quero perder vocês, não quero me perder de vocês. Um beijão, um abraço, um até logo.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Poemas sobre a infância


[ Somente grandes poetas sabem escrever sobre a infância, este tema tão visitado, importante e difícil. Abaixo, dois poemas sobre memórias da infância, duas diferentes aproximações. Abraços! Hoje acordei menina].

Velha Chácara


A casa era por aqui...
nde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.

Ah quanto tempo passou!
(Foram mais de cinqüenta anos.)
Tantos que a morte levou!
(E a vida... nos desenganos...)

A usura fez tábua rasa
Da velha chácara triste:
Não existe mais a casa...
— Mas o menino ainda existe.

( Manuel Bandeira, Lira dos Cinquent´Anos)


O Maestro Sacode a Batuta

O maestro sacode a batuta,
A lânguida e triste a música rompe ...
Lembra-me a minha infância, aquele dia
Em que eu brincava ao pé dum muro de quintal
tirando-lhe com, uma bola que tinha dum lado
O deslizar dum cão verde, e do outro lado
Um cavalo azul a correr com um jockey amarelo ...

Prossegue a música, e eis na minha infância
De repente entre mim e o maestro, muro branco,
Vai e vem a bola, ora um cão verde,
Ora um cavalo azul com um jockey amarelo...

Todo o teatro é o meu quintal, a minha infância
Está em todos os lugares e a bola vem a tocar música,
Uma música triste e vaga que passeia no meu quintal
Vestida de cão verde tornando-se jockey amarelo...

(Tão rápida gira a bola entre mim e os músicos...)
Atiro-a de encontra à minha infância e ela
Atravessa o teatro todo que está aos meus pés
A brincar com um jockey amarelo e um cão verde
E um cavalo azul que aparece por cima do muro
Do meu quintal... E a música atira com bolas
À minha infância... E o muro do quintal é feito de gestos
De batuta e rotações confusas de cães verdes
E cavalos azuis e jockeys amarelos ...

Todo o teatro é um muro branco de música
Por onde um cão verde corre atrás de minha saudade
Da minha infância, cavalo azul com um jockey amarelo...
E dum lado para o outro, da direita para a esquerda,
Donde há árvores e entre os ramos ao pé da copa
Com orquestras a tocar música,
Para onde há filas de bolas na loja onde a comprei
E o homem da loja sorri entre as memórias da minha infância...

E a música cessa como um muro que desaba,
A bola rola pelo despenhadeiro dos meus sonhos interrompidos,
E do alto dum cavalo azul, o maestro, jockey amarelo tornando-se preto,
Agradece, pousando a batuta em cima da fuga dum muro,
E curva-se, sorrindo, com uma bola branca em cima da cabeça,
Bola branca que lhe desaparece pelas costas abaixo...

(Fernando Pessoa, Cancioneiro)

*Imagem daqui

quinta-feira, 19 de março de 2009

Indignação



O primeiro sinal, eu o senti há exatos vinte anos: abri o jornal e, horrorizada, li que o filho de uma amiga, um rapaz que eu conhecia bem, fazia parte de uma quadrilha que acabara de ser descoberta. Composta por profissionais e estudantes universitários, a tal quadrilha recebia dinheiro de vestibulandos para, depois de falsificar documentos, prestar os exames de vestibular no lugar dos candidatos. Cursando o quarto ano de Biologia, o filho da minha amiga passaria fácil em qualquer vestibular.

Imediatamente, pensei em minha amiga e em seu marido, que eu conhecia há anos. Ambos honestíssimos, ele ligado à Justiça, ela ocupando cargo de projeção na universidade. Deviam estar arrasados com a notícia. Decidi ir à casa deles, para ver se poderia ajudar em algo. Lá chegando, assisti à seguinte cena: chorando, minha amiga dizia ao filho que não compreendia como ele podia ter agido assim, contra todos os princípios em que fora educado, e, afinal, sem estar passando por apertos financeiros, já que recebia dos pais o que necessitava para viver. A resposta do filho, em tom irritado, foi: “Mãe, todo mundo age assim, hoje todos querem tirar a sua vantagem, conseguir algum. Vocês me dão o necessário pra viver, sim, mas eu quero mais, quero muito mais! E quer saber? Você e papai, com essa história de honestidade, são uns bestas, uns idiotas!”.

Foi meu sinal vermelho. Percebi que nossa crise não era apenas socioeconômica, mas também uma violenta crise de valores, que subvertia tudo e se reproduzia sozinha, à medida que alcançava os jovens. Daí em diante — ou seja, nos últimos vinte anos —, só vi a corrupção, de corpos e almas, aumentar no Brasil. Um escândalo atrás do outro, do Oiapoque ao Chuí, em todos os níveis da administração pública e da iniciativa privada. Não vou enumerar todos, pois vocês os conhecem bem, e não quero enlamear meu blog, mas, só pra lembrar alguns de agora: os 181 (!!!) diretores do Senado, a corrupção na polícia paulista (foi o último escândalo: mas antes teve também na carioca, gaúcha, mineira, pernambucana, e por aí vai), os fortes sinais de corrupção no Judiciário... Moro num dos Estados mais pobres do Brasil: pois quase a metade dos deputados estaduais alagoanos foi afastada, por fortes indícios de corrupção (Operação Taturana), mas assim mesmo eles insistem em retornar, sabem por quê? Porque cada um recebe, no conjunto, contando as verbas de gabinete, cem mil reais por mês. Isso, num Estado em que grande parte da população não consegue alcançar um salário mínimo!!!

Essa crise de valores é sistêmica, atinge o país inteiro, está entranhada em todas as nossas instituições. Sempre foi assim? Desde o período colonial temos aqui uma elite em grande parte ávida por ganhar, explorar ao máximo e, se possível, depois se mandar. É histórico, isso. Mas tenho a impressão de que, nas últimas décadas, a nossa ganância aumentou e se espalhou. Será por que hoje se investiga e se puna mais do que antes? É possível (a criação do Ministério Público foi um avanço), mas não é só isso. A corrupção aumentou, mesmo. Alguns valores que aprendi, como honestidade, respeito ao próximo, dignidade, eram naturais a certas camadas da população — às pessoass do campo, operários, setores médios, determinadas elites, inclusive políticas. Eram, portanto, valores sociais. Mas hoje parecem ter sumido do nosso cardápio, ou ficado nos corações e mentes de poucos, que, encantuados, não estão conseguindo fazer valer suas idéias. Foram substituídos pelo alpinismo social, pela ambição desenfreada, por essa postura de ganhar e vencer a qualquer custo que acompanha as sociedades emergentes (e também as ricas, quando em crise).

O pior é que não estou conseguindo enxergar saídas, a não ser as de sempre, que não parecem mais surtir efeito: protestar (como faço aqui), aliar-me aos que protestam, ajudar a organizar a sociedade, votar bem (mas acho o sistema eleitoral, aparentemente democrático, viciado), e por aí vai. Na verdade, a única mudança profunda em que ainda acredito é a conseguida via educação. Mas... apesar de um ou outro progresso, falar de educação no Brasil é falar de uma das nossas maiores mazelas e vergonhas sociais.

É isso. Desculpem-me o mau jeito, o pessimismo, a impotência. Eu só queria desabafar um pouco. E também que vocês soubessem: quando escrevo sobre qualquer coisa — quando posto um poema, um conto, uma canção, uma brincadeira —, trago sempre esse conjunto de questões, aflições e indignações dentro de mim. Elas nunca me abandonam. São como um filme que passa sem parar no fundo da minha mente, um filtro que me insulta e me diz quem sou.
[Imagem daqui]

domingo, 15 de março de 2009

Jorge Luis Borges, o poeta




















O BORGES QUE ESCOLHI
Sidney Wanderley

Não o celebrado e exaurido cantor
dos tigres de Bengala e Sumatra,
das refutações do tempo,
do horror aos espelhos
(que, como as cópulas,
multiplicam os homens),
dos punhais e dos compadritos,
das espadas e dos labirintos,
de Dante, dos vikings e das kenningar
e dos rios e das rosas e de Rosas;

sim o fazedor de versos
sem metafísica e certeiros:
“o olor interminável dos eucaliptos”
“minhas lembranças, antigas até a ternura”
“a água crapulosa de um charco”
“o incêndio, com ferozes mandíbulas, devora o campo”
“um céu da cor da gengiva dos leopardos”

e que severamente vaticina:
“Te espera o mármore que não lerás.”

Recebi hoje estes belos versos de Sidney Wanderley, em que canta o Borges poeta. Isto me fez lembrar que Jorge Luis Borges é mais conhecido entre nós por sua prosa, especialmente pelos contos magníficos de O Aleph e Ficções. Mas foi como poeta que Borges começou, com Fervor de Buenos Aires, Lua de Fronte e Caderno San Martín (de 1923, 1925 e 1929, respectivamente), como foi aos poemas que Borges retornou, na maturidade. E poeta o múltiplo Borges sempre se autointitulou.
Além do poema de Sidney, acrescento aqui dois poemas do próprio Borges, para sempre nos lembrarmos da beleza e da grandeza de sua poesia (falando nisso: a Cia. das Letras acaba de lançar Poesia, de Borges, edição bilíngue com tradução de Josely Vianna Baptista):

EL SUICIDA

No quedará en la noche una estrella.
No quedará la noche
Moriré y conmigo la suma
Del intolerable universo.
Borraré las pirámides, las medallas,
Los continentes y las caras.
Borraré la acumulación del pasado.
Haré polvo la historia, polvo el polvo.
Estoy mirando el último poniente.
Oigo el último pájaro.
Lego la nada a nadie.


O S UICIDA
Não restará na noite uma estrela.
Não restará a noite.
Morrerei, e comigo a soma
do intolerável universo.
Apagarei as pirâmides, as medalhas,
os continentes e os rostos.
Apagarei a acumulação do passado.
Transformarei em pó a história, em pó o pó.
Estou mirando o último poente.
Ouço o último pássaro.
Deixo o nada a ninguém.

(Borges, "El Suicida", in: La Rosa Profunda. Tradução de Renato Suttana)


EL SUR
Desde uno de tus patios haber mirado
las antiguas estrellas,
desde el banco de
la sombra haber mirado
esas luces dispersas
que mi ignorancia no ha aprendido a nombrar
ni a ordenar en contelaciones,
haber sentido el circulo del agua
en el secreto aljibe,
el olor del jazmin y la madreselva,
el silencio del pájaro dormido,
el arco del zanguán, la hemedad
–esas cosas, acaso, son el poema

O SUL
De um dos pátios ter olhado
as antigas estrelas,
o banco da
sombra ter olhado
essas luzes dispersas
que minha ignorância não aprendeu a nomear
nem a ordenar em constelações,
ter sentido o círculo da água
na secreta cisterna,
o odor do jasmim e da madressilva,
o silêncio do pássaro adormecido,
o arco do saguão, a umidade
- essas coisas são, talvez, o poema.

(Borgers, in: Fervor de Buenos Aires. Tradução de Jorge Schwartz)

quinta-feira, 12 de março de 2009

O filme da minha vida


Amigos, vocês gostariam de participar desta blogagem coletiva, proposta pela Vanessa, do Fio de Ariadne? Funciona assim: vocês vão lá no Fio, inscrevem seu blog, e, nos dias da blogagem— 29 e 30 de abril —, postam seu texto. Assim, vamos ficar conhecendo o filme da vida de cada um de nós! E ainda conheceremos um monte de blog bacana. Eu acho que os meus filmes são dois.... por motivos completamente diferentes, he he.

sábado, 7 de março de 2009

Para o Dia Internacional da Mulher

[Escrito em 1941, este poema de Jacinta Passos expressa a situação da maioria das mulheres brasileiras daquela época. Neste Dia Internacional da Mulher de 2009, dedico-o às muitas mulheres do Brasil e do mundo que, quase setenta anos depois, infelizmente ainda vivem na mesma situação. Desejo que, em breve, graças às ações de todos nós, este poema seja evocação do passado.]

Canção simples

Jacinta Passos

A flor caída no rio
que a leva para onde quer
sabia disso e caiu,
seu destino é ser mulher.

Leva tudo e segue em frente,
amor de homem é tufão,
o de mulher é semente
que o vento enterrou no chão.

Mulher que tudo já deu,
homem que tudo tomou,
é mulher que se perdeu,
é homem que conquistou.

Mulher virgem, condição
para homem dar – nobre gesto –
resto duma divisão
se a divisão deixou resto.

No sangue, a honra é lavada
de homem que mulher engana,
mulher que vive enganada
coitado! fraqueza humana.

A flor caída no rio
que a leva para onde quer,
sabia disso e caiu,
seu destino é ser mulher.

[In: Jacinta Passos e Manoel Caetano Filho. Nossos Poemas. Salvador, A Editora Bahiana, 1942]

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