Sophia de Melo Breyner Andresen (1919-2004) é considerada uma das maiores poetas portuguesas do século XX. Penso que é uma das maiores poetas de todos os tempos. Seu verso é claro, preciso, elegante, comovedor. No final de um poema dedicado a Sophia, escreveu Manuel Alegre:“Sua escrita é de nau e singradura / e há nela o mar o mapa a maravilha./ Sophia lê-se como quem procura / a ilha sempre mais ao sul.”
Nascida no Porto, de família aristocrática — por parte de pai, de origem dinamarquesa —, Sophia passou a infância e adolescência na cidade natal, na fabulosa Quinta do Campo Alegre (hoje simplesmente o Jardim Botânico do Porto), que pertencia à sua família. A infância e a natureza são dois temas preferenciais da poesia de Sophia. Outro tema central é o mar, presente em dezenas de poemas seus, como este
Fundo do mar
No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.
Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.
Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.
Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.
Já o poema a seguir recria de forma magistral um tema caro aos portugueses, o do mar ligado aos descobrimentos:
Descobrimento
Um oceano de músculos verdes
Um ídolo de muitos braços como um polvo
Caos incorruptível que irrompe
E tumulto ordenado.
Bailarino contorcido
Em redor dos navios esticados
Atravessamos fileiras de cavalos
Que sacudiam as crinas nos alísios
O mar tomou-se de repente muito novo e muito antigo
Para mostrar as praias
E um povo
De homens recém-criados ainda cor de barro
Ainda nus ainda deslumbrados
Em Lisboa, Sophia de Melo Breyner formou-se em Filologia Clássica (1939) — a herança clássica tornando-se essencial à sua percepção do mundo —, participou de movimentos literários, tornou-se amiga de poetas como Jorge de Sena e, ao lado deles, combateu a ditadura salazarista. Tinha coragem e um forte senso de justiça. Casou-se em 1946 com o advogado, jornalista e político Francisco Sousa Tavares, tendo cinco filhos, entre os quais o escritor Miguel Sousa Tavares.
Em 1974, Sophia apoiou a Revolução dos Cravos, que pôs fim ao salazarismo, e no ano seguinte foi eleita, pelo Partido Socialista, para a Assembléia Constituinte. Seu profundo senso de cidadania inspirou-lhe vida e obra. Não colocou sua poesia a serviço da ideologia, mas trouxe para os versos situações vividas no dia-a-dia da história do seu país. A dura situação do exílio, por exemplo, experimentada por tantos de seus amigos durante o salazarismo, a comovia:
Exílio
Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades
Sophia sabia que, acima e além dos homens, das circunstâncias e das guerras, reinava o poder da poesia, único capaz de fazer reflorir a vida:
Poesia
Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.
Sophia de Mello Breyner publicou numerosos livros de poesia a partir de 1945, entre eles Mar Novo (1958), Livro Sexto (1962), O Nome das Coisas (1977) e Ilhas (1989). Foi também contista, escrevendo ainda diversos livros para crianças. Recebeu prêmios importantes, entre eles, em 1999, o Prêmio Camões. Poucos foram tão grandes quanto ela:
Deus escreve direito por linhas tortas
Deus escreve direito por linhas tortas
E a vida não vive em linha recta
Em cada célula do homem estão inscritas
A cor dos olhos e a argúcia do olhar
O desenho dos ossos e o contorno da boca
Por isso te olhas ao espelho:
E no espelho te buscas para te reconhecer
Porém em cada célula desde o início
Foi inscrito o signo veemente da tua liberdade
Pois foste criado e tens de ser real
Por isso não percas nunca teu fervor mais austero
Tua exigência de ti por entre
Espelhos deformantes e desastres e desvios
Nem um momento só podes perder
A linha musical do encantamento
Que é teu sol tua luz teu alimento.
Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades
Sophia sabia que, acima e além dos homens, das circunstâncias e das guerras, reinava o poder da poesia, único capaz de fazer reflorir a vida:
Poesia
Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.
Sophia de Mello Breyner publicou numerosos livros de poesia a partir de 1945, entre eles Mar Novo (1958), Livro Sexto (1962), O Nome das Coisas (1977) e Ilhas (1989). Foi também contista, escrevendo ainda diversos livros para crianças. Recebeu prêmios importantes, entre eles, em 1999, o Prêmio Camões. Poucos foram tão grandes quanto ela:
Deus escreve direito por linhas tortas
Deus escreve direito por linhas tortas
E a vida não vive em linha recta
Em cada célula do homem estão inscritas
A cor dos olhos e a argúcia do olhar
O desenho dos ossos e o contorno da boca
Por isso te olhas ao espelho:
E no espelho te buscas para te reconhecer
Porém em cada célula desde o início
Foi inscrito o signo veemente da tua liberdade
Pois foste criado e tens de ser real
Por isso não percas nunca teu fervor mais austero
Tua exigência de ti por entre
Espelhos deformantes e desastres e desvios
Nem um momento só podes perder
A linha musical do encantamento
Que é teu sol tua luz teu alimento.
18 comentários:
Obrigado por trazeres uma de minhas poetas favoritas. Favorita por tudo quanto escreve e, sobretudo, pela imensa e profunda ligacao com o MAR (Santa Sophia do Mar) e já inspirou poemas meus como este:
O QUE É O MAR?
Tu perguntas, e eu não sei
eu também não sei o que é o mar
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
Serenidade
leve brisa discreta
traz no regaço o perfume das esmeraldas diluídas
brilhando na placidez do vento.
Crepes tremulam em suspiros leves de espuma
e perdidos entre cetins luminosos
vêm os teus lábios, pétalas rosadas,
sôfregos para me beijar.
Namibiano Ferreira
Gosto sempre de ler Sophia(»sabedoria), a que escreveu
Quando eu norrrer voltarei para buscar/os instantes que não vivi junto do mar...
Querida Janaína
A escrita da Sophia é como a matemática, emocionalmente certa.
É uma linguagem depurada. Nada está a mais. Apenas emoção e razão.
Sou uma admiradora incondicional.
As fotografias do Com Calma são todas minhas. Quando isso não acontece eu identifico o seu autor.
Estas da Praça da Figueira, foram tiradas do Castelo de S.Jorge.
E muito obrigada pela divulgação da biografia da Sophia.
Muita saudade, amiga.
Isabel
Só posso dizer-te isto: Sophia, Eugénio e Jorge de Sena são o meu triângulo de ouro!
Beijo
Bela postagem Janaína. Sophia é de fato uma poeta de primeira linha e nos deixou uma vasta obra. Seus oitenta e cinco anos de vida foram muito bem vividos, pois não limitou-se apenas a fazer poesia.Foi uma mulher forte e corajosa.
Obrigada por mais este presente!
Bjs
De uma beleza imensa a poesia de Sophia. Achei muito interessante quando disse que embora não tenha usado a poesia como bandeira, trouxe situações vividas no dia-a-dia da história do país. É exatamente assim que vejo a poesia: ela sempre reflete seu tempo e seu lugar. Adorei este post, Janaína.
Bom fim de semana, beijos!
Cara Janaína,
Ótima postagem!
Abraços,
Adriano Nunes.
Janaína,
Agora de férias e finalmente com tempo para os amigos, eis que me deparo aqui com Sophia de Mello Breyner, uma das maiores poetas da nossa Língua.
E felicito-a pela forma como lhe dá ainda mais brilho neste seu post, minha amiga.
Claro que só uma pessoa com uma grande cultura e sensibilidade, nos pode falar de Sophia, como a Janaína o faz...
É com muito carinho que lhe deixo a minha gratidão.
Um bom fim de semana num beijo
Bela seleção de poemas.
Sophia é sempre uma excelente escolha. Aliás, fantástica
São sempre bons e belos os poemas de Sophia que conheço. Já andei procurando livros dela aqui no Rio, não encontrei. Tenho lido muita coisa pela internet, na página sobre ela e em blogs, principalmente portugueses. Mas não conhecia ao menos um dos poemas que você postou.
A casa do Coluna do meio é a minha, sim, Jana. Apareça, é muito bem-vinda.
Beijos.
Muito boas as poesias de Sophia, e a sua trajetória de vida também. Ainda não a conhecia.Após essa excelente postagem, deu-me vontade de conhecê-la melhor.
Obrigada pela visita, será sempre bem vinda!
Um bom domingo
Amo a poesia portuguesa e Sophia é um marco impressionante, cheia de lirismo e seu amor ao mar...
Boa semana!
Bjs.
Salve a poesia, saudações!
Amiga Janaina, obrigada pelas palavras no meu blog. de fato estive afastado, mais estou de volta.
belo texto sobre Sophia de Mello.
bjs
Ler a Sophia é um encantamento sempre renovado.
Por curiosidade, te digo que fiz a cadeira de Botânica,dos meus estudos universitários, precisamente na quinta onde viveu a família da poeta, ali para o Campo Alegre.
Até então, não conhecia Sophia, agora já posso falar dos belos poemas que escreve.
Aqui é lugar para se descobrir talentos e sensibilidades.
Beijos querida, de todos nós.
Acho lindo quando ela escreve:
" Mar,
Metade da minha alma é feita de maresia."
Gratíssima por retornar ao Brisa.
E o firmamento é de todos. rsrs
bjo.
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