
Acompanhando as dificuldades do meu e-amigo Chorik para encontrar sua nova casa, lembrei-me da história da compra do apartamento onde moro, acontecida há alguns anos.
Meu marido e eu havíamos nos mudado recentemente de Brasília para Maceió, em busca de sol, mar, calor, uma nova etapa de vida. Para experimentar a cidade, alugamos um apartamento. Ótimo, por sinal: no quinto andar, próximo ao mar, linda vista, aluguel em conta, rua calma.
Um ano depois, decididos a nos estabelecer em Maceió, quisemos comprar um apartamento. Parecia fácil: somente no prédio onde morávamos, e de que tanto gostávamos, havia três apartamentos à venda, com possibilidade de mais dois. Era questão de conversar com os vizinhos e... e...
Nada deu certo. A vizinha do oitavo andar, o nosso preferido por ser o mais alto, desistira de vender o imóvel. O pessoal do sétimo andar parece que se envolvera em um escândalo, e tomara um chá de sumiço. O proprietário do terceiro andar queria vender o apartamento, mas sua mulher, não. O dono do lugar onde estávamos queria continuar alugando-o. E por aí foi. Depois de várias tentativas infrutíferas, chegamos à conclusão de que, em nosso prédio, não havia nenhum apartamento disponível para compra.
Começamos a procurar em outros prédios. Quer dizer, começamos, não — eu comecei, já que o marido declarou não ter a menor paciência para isso. Veria apenas os apartamentos que eu selecionasse. Eu procurava, procurava... e voltava para casa desanimada, constatando: “Este nosso apartamento alugado é muito melhor”.
Pensamos em desistir, não comprar coisa nenhuma, continuar exatamente onde estávamos. Mas fomos tragados por mais uma dessas imensas ondas de insegurança que periodicamente assolam o Brasil: Lula ia tomar posse, os boatos fortíssimos, reforçados por comentários diários da imprensa, eram de que a comunidade internacional se oporia energicamente à política econômica do novo governo, que nosso país ia quebrar, que... Confusos, sem entender de negócios, temerosos de vir a perder todas as economias das nossas vidas, decidimos comprar de qualquer forma um imóvel, mesmo pequeno, mesmo um não tão bom, para garantir um lugar seguro onde morar.
Mas estávamos tristes, afinal esse não era o nosso verdadeiro desejo. Queríamos um apartamento iluminado, gostoso de estar, agradável para receber os amigos, parecido com o nosso novo estilo de vida ... e teríamos de nos contentar com algo completamente diferente. Àquela altura, nosso dia-a-dia havia se transformado num inferno. Dezenas de corretores — um dos grupos mais chatos e inconvenientes que existem — nos telefonavam a cada minuto, para oferecer tudo o que não desejávamos.
Aborrecida, desgastada, sem saber o que fazer, resolvi dar um tempo em tudo aquilo: marquei uma massagem. Haviam me dito que a massagista era sensacional, alguém que, além de entender de músculos, nervos e dores do corpo humano, era profundamente espiritualizada, capaz de, ao nos tocar, perceber em nós coisas que não percebíamos, e nos ajudar.
A massagem de Ana era realmente ótima. Deitada sobre lençóis muito limpos, ouvindo música zen, sentindo o aroma delicioso de incensos, massageada por mãos que sabiam fazer relaxar cada músculo tenso do meu corpo, eu já estava começando a dormir, quando ela perguntou, me massageando:
— Como vai a sua vida?
— Hmmmm...
— Não há nada preso em você, algum assunto que não está correndo como deveria?
Pronto. Era o tipo de estímulo perfeito para eu falar do grande assunto da minha existência no momento, meu assuntúnico. Saí do torpor e contei a ela, em detalhes, todos os meus desgostos imobiliários.
Ana ia ouvindo, o rosto sério, concentrada, enquanto me massageava. Ao final, deu seu veredicto:
— Você está com obstrução de energia.
— Ãh?
— Energias negativas – ela explicou -, vindas talvez da inveja, ou de outras coisas, não sei, estão envolvendo você e seu marido, colocando-se entre vocês dois e o apartamento que querem comprar. Posso sentir isso no seu corpo: ele está cheio de nós que não deixam sua energia fluir, vê? – apertou minha perna esquerda, quase me fazendo urrar de dor. — Você tem de tomar providências urgentes.
— Providências urgentes?
— Sim! Vá até o Mercado da Produção, compre sal grosso, faça uma mistura assim assim e ...
Descreveu em minúcias todo o ritual do banho de sal grosso que eu deveria tomar. Na despedida, ainda me disse: — Não se esqueça: concentre-se, o importante é a intenção. Trata-se de um ritual.
Ao chegar em casa, soube que um apartamento menos ruim, no qual havíamos depositado nossas esperanças nos últimos dias, acabara de ser vendido a outra pessoa.
— Rumo ao Mercado da Produção! – exclamei.
Foram precisos três dias de dedicação incansável para convencer o marido a ir comigo até o mercado, do outro lado da cidade, sob chuva intensa, fazer algo em que ele não via sentido algum.
Ao chegarmos lá, nem foi necessário descer do carro, pois logo enxergamos uma senhora carregando pequenos sacos de plástico transparente, cheios de bolinhas de sal. O marido a chamou, e, exagerado como é, comprou quatro saquinhos, de um quilo cada. Já ia arrancando o carro, quando eu lhe disse:
— Este sal aqui está todo sujo, não vê quantas bolotas pretas tem aqui no meio?
Em desespero, ele perguntou: — A massagista disse que o sal tem de ser limpo?
— Não disse, mas claro que tem de ser, ora essa! Onde já se viu fazer ritual com sal sujo?
Ele divisou outra vendedora (nunca pensei que a mercadoria saísse tanto!), chamou-a, comprou mais seis quilos de sal, colocou tudo em meu colo e, impaciente, perguntou: — Satisfeita? Podemos ir, finalmente?
Quando entramos em nossa garagem, atrás de nós entrou outro carro, que estacionou na vaga bem ao lado da nossa. Era a proprietária do apartamento do oitavo andar, o tal que nós havíamos cobiçado tanto, e que desistira de vendê-lo. Suspirando, ajeitei o melhor que pude meus dez saquinhos de sal grosso no colo, e com eles desci, batendo a porta do carro com o corpo.
Toda sorridente, a vizinha do oitavo andar caminhou até nós, dizendo:
— Boa tarde! Então, vocês continuam interessados em comprar meu apartamento? Decidi vendê-lo!