[Baianos ligados às letras o conhecem, mas, fora da Bahia, quase ninguém ouviu falar dele. É um grande poeta brasileiro, cuja obra, no ano de seu centenário de nascimento, foi reunida em Poesia completa (Salvador: Conselho Estadual de Cultura, 2001). Em vida, o baiano Sosígenes Costa (Belmonte, 1901- Rio, 1968) publicou apenas um livro, o primoroso Obra poética (1959). Muitos poetas, como o paulista José Paulo Paes, afirmaram que ler Sosígenes foi fundamental para a construção de suas obras. Eu gosto sobretudo de “Iararana”, longo poema narrativo do início da década de 30, inspirado na mitologia e no folclore, cheio de invenções e surpresas, que o poeta gostava de chamar "história de alma com bichos falantes". É ainda melhor que Cobra Norato, de Raul Bopp. Reservado, muito discreto em sua vida pessoal, Sosígenes Costa viveu na Bahia e depois no Rio de Janeiro, sempre escrevendo poesia, jamais cortejando críticos, muito menos eventos e mídia. Seguem pequeno trecho de “Iararana” e um de seus belos, sofisticados sonetos:]
(...)
“— Esta anta com cabeça de gente não era anta, meu neto.
Aquilo era cavalo com cabeça de gente.
(...)
“— Esta anta com cabeça de gente não era anta, meu neto.
Aquilo era cavalo com cabeça de gente.
Era cavalo da Oropa com feição de mondrongo.
Veio da Oropa o danado descobrir este rio.
Ele nasceu na Oropa num lugar muito bonito de lá.
Então um bicho com cabelo de cobra
avançou em cima dele
e ele teve que disparar daquela terra
teve que cair n’água
atavessou mar como quê
e foi se esconder na pontinha da Oropa.
E da ponta da Oropa
ele de novo timbum! Dentro dágua
e veio nadando e chegou neste rio.
Foi quando Romãozinho avistou o bicho entrando
e veio dizer à gente daqui, virado em dom Grilo.
A caipora quando viu o bicho na Ipibura
ficou de boca aberta.
Jabuti veio ver e ficou de boca aberta.
Boitatá não sabia o que era: ficou de boca aberta.
Saruê chegou e ficou de boca aberta.
Jundiá, quando soube, danou pro rio do Bu.
E os cachorros do rio se esconderam no mato
e quiseram dar flechada mas a flecha não pegou.
— Não pegou não, meu avô?[...]
O pavão vermelho
Veio da Oropa o danado descobrir este rio.
Ele nasceu na Oropa num lugar muito bonito de lá.
Então um bicho com cabelo de cobra
avançou em cima dele
e ele teve que disparar daquela terra
teve que cair n’água
atavessou mar como quê
e foi se esconder na pontinha da Oropa.
E da ponta da Oropa
ele de novo timbum! Dentro dágua
e veio nadando e chegou neste rio.
Foi quando Romãozinho avistou o bicho entrando
e veio dizer à gente daqui, virado em dom Grilo.
A caipora quando viu o bicho na Ipibura
ficou de boca aberta.
Jabuti veio ver e ficou de boca aberta.
Boitatá não sabia o que era: ficou de boca aberta.
Saruê chegou e ficou de boca aberta.
Jundiá, quando soube, danou pro rio do Bu.
E os cachorros do rio se esconderam no mato
e quiseram dar flechada mas a flecha não pegou.
— Não pegou não, meu avô?[...]
O pavão vermelho
Ora, a alegria, este pavão vermelho,
está morando em meu quintal agora.
Vem pousar como um sol em meu joelho
quando é estridente em meu quintal a aurora.
Clarim de lacre, este pavão vermelho
sobrepuja os pavões que estão lá fora.
É uma festa de púrpura. E o assemelho
a uma chama do lábaro da aurora.
É o próprio doge a se mirar no espelho.
E a cor vermelha chega a ser sonora
neste pavão pomposo e de chavelho.
Pavões lilases possuí outrora.
Depois que amei este pavão vermelho,
os meus outros pavões foram-se embora.
3 comentários:
nos '70 participava de um grupo de leitura e uma vez lemos delícias do poeta com nome quase impronunciável; depois, nunca mais. brigado pela lembrança.
Janaína,
Tenho total identificação com a prosa e poesia nordestina. Lendo o poeta que você me apresenta, lembrei de trechos memoráveis da prosódia de José Cândido de Carvalho, que embora nordestino não fosse, tinha a alma agreste, colorida e viva dos escritores nessa região abençoada.
Gostei de conhecer. bjss. Veronica
É sempre bom conhecer autores pouco difundidos.
Postar um comentário