Escrevo literatura porque acredito no truque. Ficção, pra mim, é mágica. Como diabos conseguiram serrar ao meio a mulher — juro que vi, com estes olhos que a terra há de comer! —, mas ela ressurge à minha frente inteira, reluzente sob holofotes, o maiôzinho escarlate salpicado de miçangas verde escuro? Hein? Como Alice entrou no espelho? E Harry Potter não é também o mais humano dos meninos? Escrevo literatura pra me jogar nesse mundo que embola tudo, tonteia, mundo sem começo, tempo, fim, caos de sangue, espuma e raios que me deixa completamente sem fôlego, aturdida. Encantada.
Mundo que me trouxe pânico, também. Abandonei a literatura. E se a mulher ficar serrada em duas pra sempre? Vai que Alice não volta do espelho, eu, hein! E se essa dor no meu peito de grama aumentar? E se eu nunca mais conseguir regressar a este mundo daqui, que pode ser miserável, violento e chato, mas afinal é onde meus dois pés estão fincados, ou ao menos sei onde está o chão?
Tempo demais longe dela. Tempo demais. Muito mais tempo do que o meu pobre peito de grama podia suportar. Não resisti à falta que a literatura me fazia. Era uma mesmice, um tentar conformar-se com uma dimensão do mundo, sabendo que atrás, acima, abaixo, sobretudo dentro há muitas outras mais. Uma falta, uma raiva, um desaponto, uma saudade que pediam , exigiam, sufocavam, enlouqueciam. Bom, loucura por loucura... melhor a criativa, he he.
Voltei. Recentemente. Agarrada às cordas da borda com toda a força ainda, que o precipício é fundo.
[Uma primeira versão deste texto foi postada aqui]
13 comentários:
Janaina
Vc escreve de uma forma incrivel, diferente, prende a atencao do inico ao fim
...Agarrada às cordas das bordas com toda a força ainda, que o precipício é fundo ...
Nao tenha receio do precipio.
Beijinhos e bom domingo
Janaina,
Tenho essa mesma sensação de não ser parte de lugar algum. E apenas a literatura me convence do contrário.
Beijos,
Renata
Janaina
Deixa eu tentar responder-te aqui à pergunta lá do P&V, depois levo pra lá. Escrevo porque aprendi com algum dos outros de peito de palha e olhos de gude (sim, como tu) que a Palavra é gato miando lá fora em noite de tempestade, só te deixa dormir depois que levantares de entre os acolchoados e fores abrir-lhe a janela. Escrevo porque a Palavra agarra-me pela garganta e impera: "senta! Toma um papel, qualquer papel, põe-te a serviço". E eis que preciso parar o carro, largar a vassoura, o livro, o telefone. A Palavra é uma soberana a quem não se pode negar obediência. Escrevo, então, por compulsão e por cura. E para tentar que num dia qualquer, o rio retorne silencioso à sua nascente. Beijo
Ah, não tenho nenhum livro não. Mas existem alguns in progress: Rio dos Ameandros, o romance cujos retalhos vão se escrevendo com o tempo (existem outros dele no Lua), o próprio Lua em Libra, de poesia e prosa poética, e um outro, de missivas...
Beijo,
Ei,Janaína...Venho te conhecer depois que visitastes meu blog. Gosto de enredos e tramas, e isso já seria por si só um motivo para passear por aqui.Também me identifiquei de cara com a idéia de algumas coisas desenham a irreversibilidade em nossas vidas. Para você, retomar a literatura;para mim, entender que sou escrava das palavras. Seja profissional, amadorística ou emocionalmente, sou completamente dependente das letras. As idéias - das quais você pode até não concordar - são só o recheio. Às vezes bom; outras, nem tanto.
Vou entrar no outro blog para te ler também. bjs e volte. Veronica
Pois prá você eu tiro meu chapéu.
Admiro, e muito, pessoas que conseguem fazer das palavras a explicação da vida.
Não sei lidar com a ficção, não sei dizer nada que não esteja vivendo ou já tenha vivido.
Você é muito especial.
Foi bom, ouvir tua voz.
Um beijo e ótima semana.
É isso, Janaína. Escrever é atravessar a rua e encontrar do outro lado um chão imprevisível. E depois não poder mais ficar sem atravessar a rua.
Beijo pra você.
Então você se corta no meio e reaparece para a platéia?
É truque, mas chamam-no mágica.
Lucy, eu ainda morro de medo do precipício! Mas agora, pelo menos, estou agarradinha à borda, não estou longe dele. Obrigada por suas palavras e pelo livro.
É, Renata, talvez a literatura recolha aqueles que se sentem desterrados.
Cecília, muito bom conhecer seu blog, sinto que vamos dialogar um bocado. Gosto muito do teu Rio Grande do Sul, estudei os mucker aí.Teu texto é lindo
Veronica, a quem cheguei via Cecilia, bom demais compartilhar essa dependência, he he. Achei seu blog muito legal, vc. escreve bem!
Adelaide, doutora em chãos imprevisíveis, se o meu afundar demais, lhe pedirei socorro, viu?
Aninha, tão bom ter gente deste mundo aqui! Beijo.
João, me serro, sim, diante de todo mundo. De maiôzinho escarlate. Mágica pura. Seu blog é muito criativo, toda vez que me sentir um pouco embotada, irei lá. É bárbaro.
Seu texto me lembra do esforço que fiz quando voltei a postar, há pouco tempo atrás. Mas gosto de escrever, também. Ultimamente me permito rechear o blog com coisinhas relâmpago enquanto aguardo por inspiração e paciência para algo voltar aos contos.
Beijos.
Não se pode fugir do destino. E o seu, pelo que li, é escrever.E ainda gosta do Rei, que coisa boa! Bjos.
Janaina
Tentei vir aqui, atraves de seu comentario no haloscan e a pagina nao abriu, fui checar oporque.
Verifiquei, como vc esta colocando seu endereco:
http://http:/acreditandonotruque.blogspot.com
Vc esta repetindo duas vezes http:/
O correto e:
http://enredosetramas.blogspot.com/
Beijinhos
O caminho das letras está também feito desses espaços aquosos. E o vazio -graças a Deus- está lá para justificar nossos abismos.
Belíssimo texto.
beijos
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