[Os jovens Pedro Lobisomem (P) e Dandara (D) se amam, mas estão há quilômetros de distância um do outro. Uma coruja registra o que Pedro Lobisomem pensa, e uma crisálida, o que Dandara imagina. Resulta desse imbroglio todo este diálogo estranho, fragmentado, aqui fielmente registrado:]
P - Já bati tanta perna por esse mundão de Deus, conheci tanta mulher! Nenhuma, Dandara, como você. Será, amor, que pensa em mim?
D - Eufrásia gorda diz que eu não conheço o mundo. Ela tá certa, nunca saí daqui...
P - Eu também. Sabe como é o meu amor?
D - Tenho vontade de saber. Como é, meu bem, o mar? Eu nunca vi!
P - Tão grande! Tem dias em que penso: o meu amor é maior que as estrelas...
D - Maior do que a lua?
P - Maior!
D - Maior do que o sol?
P - Ih, maior!
D - Maior do que o céu?
P - Muito maior!
D - Maior do que Oxum?
P - !!
D - Mas o mar não pode ser maior que Iemanjá! No mar tem peixe, tem barco, tem onda...
P - ...nosso amor tem horizonte, gaivota, cotovia...
P - Tem dias, Dandara, em que acordo triste, pessimista, pensando: essa nossa separação tem gosto de sal, ela pode não ter fim. Eu queria tanto, Dandara, conhecer o seu quilombo!
D - Pois meu pai veio da África, ele ainda se lembra...
P - Lembra a África?
D - .. lembra que o mar tem gosto de sal e não tem fim.
D - Às vezes, Pedro, eu penso: será o seu amor por mim como é o mar, sem fim?
P - Em Iagos costumam comparar o quilombo ao lobisomem. Dizem que os dois não se acabam. Nunca morrem, não têm fim.
D - Será o lobisomem que nem o meu amor: sem fim?
P - Que nem o meu amor!
[Do meu romance Dandara. S.Paulo, Ed. Maltese, 1995. Regras de reprodução do texto acima: Creative Commons]
P - Já bati tanta perna por esse mundão de Deus, conheci tanta mulher! Nenhuma, Dandara, como você. Será, amor, que pensa em mim?
D - Eufrásia gorda diz que eu não conheço o mundo. Ela tá certa, nunca saí daqui...
P - Eu também. Sabe como é o meu amor?
D - Tenho vontade de saber. Como é, meu bem, o mar? Eu nunca vi!
P - Tão grande! Tem dias em que penso: o meu amor é maior que as estrelas...
D - Maior do que a lua?
P - Maior!
D - Maior do que o sol?
P - Ih, maior!
D - Maior do que o céu?
P - Muito maior!
D - Maior do que Oxum?
P - !!
D - Mas o mar não pode ser maior que Iemanjá! No mar tem peixe, tem barco, tem onda...
P - ...nosso amor tem horizonte, gaivota, cotovia...
P - Tem dias, Dandara, em que acordo triste, pessimista, pensando: essa nossa separação tem gosto de sal, ela pode não ter fim. Eu queria tanto, Dandara, conhecer o seu quilombo!
D - Pois meu pai veio da África, ele ainda se lembra...
P - Lembra a África?
D - .. lembra que o mar tem gosto de sal e não tem fim.
D - Às vezes, Pedro, eu penso: será o seu amor por mim como é o mar, sem fim?
P - Em Iagos costumam comparar o quilombo ao lobisomem. Dizem que os dois não se acabam. Nunca morrem, não têm fim.
D - Será o lobisomem que nem o meu amor: sem fim?
P - Que nem o meu amor!
[Do meu romance Dandara. S.Paulo, Ed. Maltese, 1995. Regras de reprodução do texto acima: Creative Commons]
9 comentários:
Janaína,
diálogo impossível, mas imaginável. Amores inimagináveis, porém possíveis.
Aliás, qual amor é impossível?
Interessante: hoje, mais uma vez eu falo eu desamor, por lá. Esse será impossível?
Beijo, menina
Tudo tão real.
O sentimento é único. O mesmo.
Mas porque será, que homem e mulher nem sempre falam a mesma língua?
Um diálogo atravessado, as vezes com tantas controvérsias.
Louco isso, louca é a vida.
Beijos meu bem.
Fui lendo e pensando no seu livro... gosto tanto! Um dia desses releio!
Vivo um amor de distância. Gostei tanto do diálogo!!!
Janaina, o amor da distância existe, porque é renovado a cada reencontro.
Um beijo. Ótimo final de semana.
Pois é, a idéia aqui foi a de um diálogo aparentemente impossível, diálogo entre amantes separados pela distância e por vários outros obstáculos, e no entanto possível, graças exatamente ao amor e intensa concentração de um amante no outro.
muito bonito...
Oi Janaína,
Gostei muito do diálogo, principalmente desse sentimento que voce consegue mostrar, de amor e envolvimento mutuo. Um dia vivi esse sentimento e foi maravilhoso.
Mas o melhor de tudo além de sentir e ser capaz de PERCEBER o que se sente e SABOREAR o que se percebe.
Que grata surpresa encontrar-te tão afeita às letras!
Adorei tua visita no Imaginosa Poesia e ,principalmente, adorei ter descoberto este teu talento!
Abraços,Nina.
Voltarei sempre!
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