
Verdes campos de capim gordura, imensidões até onde a vista alcança. Borboletas, passarinhos. Silêncio (mas escondido atrás do abacateiro, de vez em quando o lobisomem uiva). Três ou quatro curiós e uma coruja tardia. Madrugada alta, primeiras raias de sol no horizonte Uma paz. Uma alegria. Sapo cururu na beira do rio. Sem-vergonhas espalhadas e margaridas silvestres. Urutau, o chora-lua. A brisa que ondula a relva movimenta como o mar, sereia. Preguiça, sinhô, uruaê batô! Terra sem mal. Que vontade de cantar. Terra molhada de chuva. Terra preta entranhada de água, oferecida espalha sua força, úbere do mundo: cocanha. Minhoca comeu a terra; pássaro preto, a minhoca; urubu não comeu nada – magro, espreita de longe a antevisão do futuro.
Nessa hora (o dia não nasceu, a noite não morreu), menino pequeno e pai passeiam sozinhos pelo campo. Mãe em casa, esquentando o leite. Menino segura a mão imensa do pai. Sabe já que os rudes calos dele são sua âncora — flechas que ensinam o tempo, estrelas-guia nos labirintos do mundo: rochedos. Facão do pai corta o mato denso. Desbastando o mato, pai cria o horizonte.
Menino adora goiaba branca. Pai cata goiaba, dá para o menino. Sossega, menino — tem mais bicho não, pai mordeu a fruta antes, cuspiu fora o bicho. Menino saboreia a goiaba branca com os olhos fechados, tenros carocinhos da polpa derretendo na língua, a boca doce.
De repente menino escorrega no barranco, mas a mão do pai o segura rápido, puxando-o firme pra cima. Menino mais branco do que a goiaba. Pai ri do menino, menino ri do riso do pai, cachoeira. Pai gosta de rir do mundo, satisfação do menino! Sob os pés a terra mole cede, cobrindo os pés do menino e do pai. Gostoso enterrar os pés ao mesmo tempo, mexendo bem os dedos na terra fofa encharcada, barro da vida. Delicioso mergulho de pés, tornozelos, pernas até o fundo incerto da Terra, lá onde coabitam o terror com os mais secretos desejos. Segura caminhada que pai guia em meio aos matos do mundo.
O cheiro da terra molhada ganha o capim, o ar, as folhas das árvores tortas, impregnando para sempre cada poro do menino pequeno, que dele jamais se esquecerá. A este cheiro retornará sempre que a vida lhe for muito dura, faltarem-lhe força, coragem ou consolo ou, simplesmente, sempre que, distraído, baixar o vidro do carro em movimento após alguma chuva, e o mundo da infância entrar-lhe pelas narinas.
Nessa hora (o dia não nasceu, a noite não morreu), menino pequeno e pai passeiam sozinhos pelo campo. Mãe em casa, esquentando o leite. Menino segura a mão imensa do pai. Sabe já que os rudes calos dele são sua âncora — flechas que ensinam o tempo, estrelas-guia nos labirintos do mundo: rochedos. Facão do pai corta o mato denso. Desbastando o mato, pai cria o horizonte.
Menino adora goiaba branca. Pai cata goiaba, dá para o menino. Sossega, menino — tem mais bicho não, pai mordeu a fruta antes, cuspiu fora o bicho. Menino saboreia a goiaba branca com os olhos fechados, tenros carocinhos da polpa derretendo na língua, a boca doce.
De repente menino escorrega no barranco, mas a mão do pai o segura rápido, puxando-o firme pra cima. Menino mais branco do que a goiaba. Pai ri do menino, menino ri do riso do pai, cachoeira. Pai gosta de rir do mundo, satisfação do menino! Sob os pés a terra mole cede, cobrindo os pés do menino e do pai. Gostoso enterrar os pés ao mesmo tempo, mexendo bem os dedos na terra fofa encharcada, barro da vida. Delicioso mergulho de pés, tornozelos, pernas até o fundo incerto da Terra, lá onde coabitam o terror com os mais secretos desejos. Segura caminhada que pai guia em meio aos matos do mundo.
O cheiro da terra molhada ganha o capim, o ar, as folhas das árvores tortas, impregnando para sempre cada poro do menino pequeno, que dele jamais se esquecerá. A este cheiro retornará sempre que a vida lhe for muito dura, faltarem-lhe força, coragem ou consolo ou, simplesmente, sempre que, distraído, baixar o vidro do carro em movimento após alguma chuva, e o mundo da infância entrar-lhe pelas narinas.
Janaína Amado
*Imagem daqui