Filha de uma fidalga solteira e de um padre, Rosalia de Castro (Camiño Novo, 1837- Padrón,1885, ambos na Galícia) foi criada pelas tias paternas e depois pela mãe, com quem se mudou para Santiago de Compostela. Aí se educou e se ligou aos movimentos nacionalistas, que reivindicavam a autonomia da Galícia frente à Espanha e o respeito à cultura local. Uniu-se também a socialistas e republicanos. Casada com o intelectual Manuel Murguía, teve filhos e morou em várias cidades espanholas, até fixar-se na sua amada Galícia, onde morreu. Rosalia —pronuncia-se “Rosalía” — de Castro escreveu com sentimento sobre diversos acontecimentos de sua vida, como sua origem, os filhos que morreram, o casamento, a situação da mulher.
Seu livro Cantares gallegos, editado em 1863, época em que o galego já era considerado idioma ágrafo, sem escrita, foi a primeira obra moderna publicada em galego. “Ela foi a primeira a dar nome às nossas coisas”, costumam dizer os galelos, hoje. Vários poemas de Rosalia, baseados em trovas e canções populares, falam da falta de liberdade na Galícia, da submissão a Castela e da emigração forçada dos galegos, devido às dificuldades econômicas. A luta e o lirismo são marcas de sua poesia.
XXVIII
Castellanos de Castilla
Tratade ben ôs galegos:
Cando van, van como rosas.
Cando vên, vên como negros.
Cuando foi, iba sorrindo,
Cuando veu, viña morrendo
A luciña d’os meus ollos,
O amantiño do meu peito. [...]
Foi a Castilla por pan,
E saramagos lle deron;
Déronlle fel por bebida,
Peniñas por alimento.
Déronlle, en fin, canto amargo
Tén á vida no seu seo...
!Castellanos, castellanos!
Tendes corazón de ferro.
!Ay! no meu corazonciño
Xa non pode haber contento,
Qu’ está de dolor ferido,
Qu’ está de loito cuberto.
Morreu aquel qu’eu queria,
E para min n´hai consuelo:
Sólo hai para mim, Castilla,
A mala ley que che teño.
Permita Dios, castellanos,
Castellanos que aborreço,
Qu’antes os gallegos morran
Qu’ ir a pedirvos sustento. [...]
Castellanos de Castilla
Tratade ben ôs galegos:
Cando van, van como rosas.
Cando vên, vên como negros.
I-IV
Cantart’ei, Galicia,
Teus dulces cantares,
Qu’asi mó pediron
Na veira do mare.
Cantart’ei, Galicia,
Na lengua gallega,
Consolo dos males,
Alivio das penas.
Mimosa, soave,
Sentida, queixosa,
Encanta se ríe,
Commove si chora.
Cal ela, ningunha
Tan dulce que cante
Soidades amargas,
Suspiros amantes.
Misterios da tarde,
Murmuxos da noite:
Cantart’ei, Galicia,
Na veira das fontes.
Qu’así mó pediron,
Qu’así mó mandaron,
Que cant’e e que cant’e
Na lengua qu’eu falo. [...]
[Rosalia de Castro. Cantares Gallegos. Santiago de Compostela, Libería Editorial Galí, 1981, quarta edição. Cantos XXVIII e I-IV, pp. 163-166 e 22. ]
Na Idade Média, durante cerca de 700 anos, o idioma galego-português foi língua culta, usada na Galícia e Portugal atuais, assim como em outros reinos da atual Espanha. O rei castelhano Afonso X, o Sábio, por exemplo, escreveu em galego-português. Essa língua foi tão importante que originou a segunda mais volumosa literatura medieval do Ocidente, após a da Occitânia. Entretanto, a partir do século XV, durante o processo de formação da Espanha moderna, várias regiões, inclusive a Galícia, foram submetidas ao reino de Castela. Em consequência, o castelhano tornou-se o idioma oficial da Espanha, proibidos o ensino e a escrita de todos os idiomas regionais (catalão, valenciano, basco, etc.). O galego —evolução do galego-português—, condenado a língua ágrafa, sofreu refluxo, mas, desde a segunda metade do século XIX, graças a movimentos como o de Rosalia de Castro, renasceu. Hoje, é falado, ensinado em escolas e veículo de uma rica literatura. Portugal, que no século XII se tornou independente dos outros reinos ibéricos, continuou a usar livremente o galego-português, que mais tarde evoluiu para o português. O galego e o português continuam línguas muito próximas, como se vê nos poemas.
Seu livro Cantares gallegos, editado em 1863, época em que o galego já era considerado idioma ágrafo, sem escrita, foi a primeira obra moderna publicada em galego. “Ela foi a primeira a dar nome às nossas coisas”, costumam dizer os galelos, hoje. Vários poemas de Rosalia, baseados em trovas e canções populares, falam da falta de liberdade na Galícia, da submissão a Castela e da emigração forçada dos galegos, devido às dificuldades econômicas. A luta e o lirismo são marcas de sua poesia.
XXVIII
Castellanos de Castilla
Tratade ben ôs galegos:
Cando van, van como rosas.
Cando vên, vên como negros.
Cuando foi, iba sorrindo,
Cuando veu, viña morrendo
A luciña d’os meus ollos,
O amantiño do meu peito. [...]
Foi a Castilla por pan,
E saramagos lle deron;
Déronlle fel por bebida,
Peniñas por alimento.
Déronlle, en fin, canto amargo
Tén á vida no seu seo...
!Castellanos, castellanos!
Tendes corazón de ferro.
!Ay! no meu corazonciño
Xa non pode haber contento,
Qu’ está de dolor ferido,
Qu’ está de loito cuberto.
Morreu aquel qu’eu queria,
E para min n´hai consuelo:
Sólo hai para mim, Castilla,
A mala ley que che teño.
Permita Dios, castellanos,
Castellanos que aborreço,
Qu’antes os gallegos morran
Qu’ ir a pedirvos sustento. [...]
Castellanos de Castilla
Tratade ben ôs galegos:
Cando van, van como rosas.
Cando vên, vên como negros.
I-IV
Cantart’ei, Galicia,
Teus dulces cantares,
Qu’asi mó pediron
Na veira do mare.
Cantart’ei, Galicia,
Na lengua gallega,
Consolo dos males,
Alivio das penas.
Mimosa, soave,
Sentida, queixosa,
Encanta se ríe,
Commove si chora.
Cal ela, ningunha
Tan dulce que cante
Soidades amargas,
Suspiros amantes.
Misterios da tarde,
Murmuxos da noite:
Cantart’ei, Galicia,
Na veira das fontes.
Qu’así mó pediron,
Qu’así mó mandaron,
Que cant’e e que cant’e
Na lengua qu’eu falo. [...]
[Rosalia de Castro. Cantares Gallegos. Santiago de Compostela, Libería Editorial Galí, 1981, quarta edição. Cantos XXVIII e I-IV, pp. 163-166 e 22. ]
Na Idade Média, durante cerca de 700 anos, o idioma galego-português foi língua culta, usada na Galícia e Portugal atuais, assim como em outros reinos da atual Espanha. O rei castelhano Afonso X, o Sábio, por exemplo, escreveu em galego-português. Essa língua foi tão importante que originou a segunda mais volumosa literatura medieval do Ocidente, após a da Occitânia. Entretanto, a partir do século XV, durante o processo de formação da Espanha moderna, várias regiões, inclusive a Galícia, foram submetidas ao reino de Castela. Em consequência, o castelhano tornou-se o idioma oficial da Espanha, proibidos o ensino e a escrita de todos os idiomas regionais (catalão, valenciano, basco, etc.). O galego —evolução do galego-português—, condenado a língua ágrafa, sofreu refluxo, mas, desde a segunda metade do século XIX, graças a movimentos como o de Rosalia de Castro, renasceu. Hoje, é falado, ensinado em escolas e veículo de uma rica literatura. Portugal, que no século XII se tornou independente dos outros reinos ibéricos, continuou a usar livremente o galego-português, que mais tarde evoluiu para o português. O galego e o português continuam línguas muito próximas, como se vê nos poemas.
11 comentários:
Grande lembrança, Janaína.
A excelente Editora Crisálida aqui de BH, publicou um ótimo livro de Rosalia de Castro: "A Rosa dos Claustros", em edição bilíngue. Tradução do poeta mineiro Andityas Soares de Moura.
Abraço.
Janaina
O amor rompe as etiquetas, mas nao o preconceito.
Imagine, uma fidalga solteira, ter a filha de um padre em 1837.
Rosalia mulher forte e doces poesias.
Amei o post.
Beijinhos e boa semana.
Janaina,
Obrigada pela visita e comentário no blog de Flavia. Seu blog é bem legal, bom mesmo para quem curte livros e autores.
Um beijo.
oi Janaina,
bom dia!
obrigado pelos elogios ao Blog - Fragmentos Literarios ate final de 2009 há de se tornar um livro que estou organizando em comemoração aos meus 50 anos, são fragementos de coisas que li nestes ultimos 35 anos, e que me fazem a cabeça. sobre minhas obras, quando puder passe pelo meu orkut.
abraços e beijos.
Carlos Magno
Obrigado aqui pela licão galego-portuguesa.
Engraçado que neste preciso momento tou fazendo um trabalho
sobre o Poder Eclesiástico (1500-1900)relacionado com Ponta Delgada.
Grato pela visita e use até à exaustão o "kuzola"
xaxuaxo
Agradeco e retribuo a visita ao meu blog. Parabens pelo seu "Enredos e Tramas" muito bom...
kandandu
Mariano, muito obrigada pela indicação da Editora Crisálida, que eu não conhecia. Vou tentar adquirir essa edição bilíngue.
Lucy, realmente a situação pessoal e social de Rosalia devia ser muito difícil, o que lhe deixou marcas: alguns poemas dela se referem ao assunto. Via literatura, creio que Rosália conseguiu dar novo significado a algumas dessas experiências.
Odele, obrigada por vir aqui, estou sempre atenta à história de sua filha Flávia e torço muito por uma sentença justa do STF.
Carlos Magno, sinta-se bem-vindo. Ótimo saber da publicação do livro, que se somará à beleza da sua pintura.
Kimdamagna e Namibiano, realmente gostei muito dessa viagem africana que me levou a conhecer seus blogs, via Maria Muadiê - essa blogosfera nos transporta a cada lugar tão bonito e inesperado...
tive um bom encontro essa tarde com a poeta Rosalia de Castro que não será mais distante de mim
Janaina,
sem a sua permissão...rs, adicionei seu blog aos meus preferidos.
abraços e bjs
Estou super emocionada!
Bjs
Edney, muito bem-vindo, e Renata, um beijo. Carlos Magno, obrigada, também vou adicionar um link para o seu blog. Pretendo reorganizar minha lista de links assim que retornar.
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