sábado, 1 de novembro de 2008

A esperança se chama Barack Obama


Barack Obama será eleito presidente dos Estados Unidos (toc, toc, toc). Trajetória incrível, a deste homem. Em um país partido pelas diferenças raciais, onde brancos e negros dificilmente convivem entre si, ele nasceu no mais distante Estado americano, o Havaí, filho de mãe branca e pai negro, do Quênia. Foi criado pela mãe e avós maternos, naturais do Estado do Kansas, brancos como a neve, num Havaí entupido de asiáticos. Na infância, viveu durante alguns anos também na Indonésia, pois sua mãe se casou de novo, com um indonésio (ele tem uma linda irmã por parte de mãe, Maya, nascida na Indonésia). Tudo isso o deixou confuso, ansioso por entender qual o seu lugar no mundo: meus familiares “não compreendiam que eu precisava de uma raça”, escreveu Obama em sua emocionante autobiografia, chamada em português A Origem dos meus sonhos (Ed. Gente, 2008).

Esta autobiografia foi publicada há muitos anos, antes de Obama sequer pensar em ser político. Quando cursava a pós-graduação em Harvard, ele foi eleito o primeiro afro-americano a dirigir a prestigiosa revista de Direito daquela universidade, chamando a atenção da mídia. Em conseqüência, foi convidado por uma editora para escrever sobre sua experiência racial. Acabou relatando a história da própria vida, com suas múltiplas relações raciais, e o que ela lhe havia ensinado sobre o assunto.

Na onda da eleição presidencial, o livro foi republicado. Nele, Obama refere-se muito ao pai (de quem herdou o nome), ou melhor: à sua busca pelo pai. Obama pai saiu do Havaí quando o filho era pequeno, para se tornar o primeiro africano a cursar pós-graduação em Harvard. Contudo, não retornou ao Havaí, mas ao seu Quênia natal. Obama o viu apenas mais uma vez, em Honolulu. Aquele pai ausente, quase endeusado pela família da mãe, tornou-se o grande enigma da vida do filho. Durante os anos de universidade, cursada na Califórnia, quando o movimento negro se radicalizava nos EUA, Obama gostava de pensar num pai idealizado, símbolo do “verdadeiro africano”, homem puro, bom, orgulhoso de suas origens, espécie de símbolo do qual os afro-americanos descendiam. O pai morreu quando ele terminou a universidade.

Alguns anos depois, ao visitar sua numerosa família no Quênia, Obama descobriu que seu pai já era casado quando encontrou sua mãe, que tivera muitos filhos, antes e depois dele, e que sua atuação pessoal e política no Quênia, longe de ter sido reta e gloriosa, fora irregular e bastante polêmica. Numa aldeia do interior do Quênia, Obama conheceu enfim o lado humano e o sofrimento da vida do pai quando criança, narrados pela avó paterna. Foi ali, junto ao túmulo do pai, enterrado no quintal da avó, que Obama enfim se reconciliou com suas origens e com a figura do pai, finalmente humanizado e amado.

Entre o término da universidade e a pós em Harvard, Obama trabalhou anos como organizador social em Chicago, cidade com alto número de afro-americanos miseráveis e pobres. Contando com poucos recursos, na base da tentativa e erro, desenvolveu um trabalho brilhante junto àquelas comunidades. Daí foi para Harvard, com o intuito de se aprofundar em Direito – essencial para a defesa dos pobres -, e, de volta a Chicago, desenvolveu um trabalho ainda melhor, que incluiu da defesa legal de prisioneiros condenados à pena de morte (livrou mais da metade deles, gente pobre que nunca tivera advogados decentes) até atuação junto a grupos de aidéticos, alcoólatras, drogados e todo tipo de desajustados sociais. Eleito primeiro à Assembléia Legislativa de Illinois, venceu depois a disputa para Senador por este mesmo Estado, contra todas as previsões. Atualmente, é o único senador afro-americano dos EUA. Sua indicação como candidato democrata à Presidência da República também foi surpresa, já que, no início, todos esperavam a vitória da ex primeira dama e experiente política Hillary Clinton.

Obama é um político diferente, que não deve ser analisado pelas mesmas lentes dos outros. Tem ligação visceral com os pobres (não apenas negros), conhece intimamente seus problemas, pois lidou a vida inteira com eles, mas, ao mesmo tempo, sua sólida educação permite-lhe, com a ajuda de uma boa equipe, pensar e propor soluções inovadoras para os problemas do seu país e do mundo. Ótimo orador, ótimo organizador – não venceu eleições apenas discursando, mas sobretudo fazendo organização de base, trabalho de formiguinha -, Obama é principalmente um negociador, um homem do diálogo, capaz de costurar acordos entre contrários, como sua história pessoal lhe ensinou a fazer. Não é à toa que, ao vencer Hillary em campanha que rachou seu partido, conseguiu reunificar os democratas. Mostrou também sua capacidade de dialogar, unir e construir durante o dramático episódio do desentendimento com seu pastor, o que gerou a pior crise de sua campanha; quando todos pensavam que Obama sucumbiria, ele se trancou no escritório por dois dias, para sair dali com o mais completo e bem pensado texto sobre as relações raciais nos EUA. Neste texto, entre outras coisas Obama assinalou que em seu país a questão racial não é discutida, sendo mais do que tempo para fazê-lo. “É preciso conversarmos sobre raça”, escreveu. E mostrou como os americanos deviam, e podiam, construir uma nação etnicamente integrada, não dividida.

Na prática política, Obama tem defendido soluções sociais e econômicas inovadoras, como as que inventou em Chicago, tem oferecido mudança, contra a mesmice conservadora. Contrário ao uso indiscriminado de armas no país, desde o início se opôs no Senado à guerra do Iraque, propondo utilizar os milhões economizados na guerra em programas educacionais e sociais dentro dos Estados Unidos. Possui também uma visão internacional dos problemas, ao contrário da maioria dos políticos norte-americanos, arrogantes e auto-centrados.

Os jovens foram os primeiros a compreender a mudança que Obama representa. Incendiados pela esperança, desde o início da campanha representam sua base eleitoral mais sólida. No começo, os afro-americanos dividiram-se entre ele e Hillary (os Clinton haviam feito um trabalho muito bom junto aos negros), mas depois se entusiasmaram com a possibilidade de eleição de um dos seus, e também com a perspectiva, como prega Obama, de, pela primeira vez na história, os EUA superarem rupturas e ressentimentos raciais e promoverem integração e harmonia racial. Pouco a pouco, Obama foi unindo americanos de diversas regiões, idades, etnias, ideologias e segmentos sociais. Fez isso adaptando ao mundo de hoje os chamados “valores americanos”, um conjunto de idéias que perpassa a história dos EUA – ou que os americanos acham que perpassa -, como democracia, propriedade privada, livre iniciativa, valorização do trabalho, respeito às diferenças, etc. Obama aprendeu com a própria experiência, transformando uma vida singular e difícil, vivida na intersecção, na corda bamba entre várias etnias e culturas apartadas, em uma forma solidária e rica de compreender o mundo. É um homem de pensamento próprio.

Sei perfeitamente que, eleito Presidente, fará muito menos do que desejaria ou poderia. O lobby de Washington é fortíssimo, os interesses dos grupos econômicos são muito poderosos, e agora a crise econômica se instalou bem no coração do seu país. Obama decerto terá de ceder, desviando-se de sua rota original em múltiplas concessões, como já o fez algumas vezes durante a campanha. Mesmo assim, será um Presidente infinitamente melhor do que o tacanho, fundamentalista e belicoso Bush, e também melhor do que Mc Cain. Sua eleição não está assegurada. Mas, se acontecer, será uma esperança de melhores tempos para os EUA e o mundo, para você, para mim, para todos nós. Estamos no mesmo barco.

Nossa, me empolguei, escrevi horrores. Aos que chegaram até aqui, meu muito obrigada, e desculpem a extensão do texto.

20 comentários:

Anônimo disse...

Infelizmente Barack Obama não estará imune aos tempos sombrios de desvelamento das mentiras. A primeira mentira desmascarada foi a dos Economistas, a próxima será a do maligno câncer dos Burocratas, que engessou definitivamente a vida humana sobre esta Terra triste.
Abraço!

Anônimo disse...

eu que nem leio longarinas no compu fui até ao final de seu texto superbacana. Valeu, Jana. aDORÊ, beijos de maria
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ó mariano que escreveu ai acima... porque tudo que é incurável vocês chamam de câncer, e achando pouco ainda maligno câncer? Câncer é crônico mas não tem a malignidade de burocratas, políticos e quetais. Câncer é crônico mas quem não é preconceituoso domina a doença com tratamentos cada dia mais modernos e poderosos. Câncer é crônico havendo até os curáveis. Câncer é crônico, câncer é um desajuste de células, câncer é doença de seres vivos. CÂNCER NÃO É ADJETIVO OU QUALIFICATIVO. CÃNCER NÃO É SINÔNIMO DE DESGRAÇA,azango, azar, cafife, camarço, desastre, desaventura, desfortuna, desfortúnio, desgraceira, desventura, fatalidade, Infelicidade, infortuna, infortunidade, infortúnio, lástima, lazeira, mal, mal-andança, mal-aventura, mesquinhez, perda, tragédia

claudio rodrigues disse...

Oxalá Obama traga ventos fecundos aos EUA e ao mundo. Tô na torcida.

Bernardo Guimarães disse...

jana:
já escrevi o que pude sobre a eleição americana, que se dará entre o jumento (democrata) e o elefante (republucano). no entanto , ao ler até o final do seu texto, cofesso que passo a ver o barak com outros olhos.

Bernardo Guimarães disse...

em tempo:
estou com maria e não abro! como médico, vejo cada vez mais e melhor a vida de quem tem esta desordem crônica. desta forma, a palavra não deve servir como adjetivo.

Anônimo disse...

Prezada Maria Guimarães,
tenho plena convicção de que as neoplasias/tumores (malignos ou benignos) devem ser encarados por todos nós com altivez e serenidade, pois são passíveis, sim, de cura. Tenho inumeráveis motivos pessoais e profissionais para não ter uma postura preconceituosa com este assunto. Acredito que saiba, muito bem, que a minha referência foi ao "cancerar":apodrecer-se, corromper-se do Moloch incurável dos burocratas e de todos os inimigos da boa expressão da vida. Seu comentário sensibilizou-me, por isso resolvi responder com absoluta sinceridade.
Abraços fraternos.
Mariano

Anônimo disse...

Grata por sua resposta, Mariano. Entendo sim o sentido ao "cancerar":apodrecer-se, corromper-se mas mesmo ele já é uma Derivação: sentido figurado vindo do câncer doença. De qualquer sorte, sabemos, é preferível lutarmos sempre tentando acabar com o estigma daque acompanha a doença câncer (a maioria dos pacientes continua sem nem pronunciar o nome).
Mais uma vez grata pela resposta.
Maria

Janaina Amado disse...

Ao abrir esta caixa de comentários, fico surpresa e emocionada, ao perceber como o assunto do post, que considero importante, derivou para temas muito mais importantes: vida e preconceito. Eu acho que Maria tem razão, as acepções atuais de câncer (que você, Mariano, tão bem explicou) derivam da palavra “câncer” como designativa da doença. Há alguns meses, sem me dar conta eu também escrevi a Maria algo preconceituoso sobre o assunto do câncer, e ela me chamou a atenção, me ensinou. O pior, pensei à época, é que eu não tinha a menor intenção de ofendê-la, nem a qualquer um que tivesse câncer! Percebi então que o meu era o pior tipo de preconceito, tão escondidinho lá fundo — incorporado, como diz Pierre Bourdieu —, que eu absolutamente não me dava conta dele, até poderia jurar que não existia. Bom que você, Mariano, voltou aqui e com sensibilidade se expressou, bom que você, Maria, também voltou e com elegância se expressou, eu aprendi com esse diálogo de vocês.
****
Bernardo, vale a pena, sim, ver Barack Obama com outros olhos, preste atenção no homem. Mariano, ainda estou tentando entender sua perspectiva diante do mundo (Lucidez? Cinismo, no sentindo filosófico? Descrença?), parece que seu post de hoje vai me ajudar. Cláudio, também tô na torcida!

valter ferraz disse...

Janaína,
o que são as palavras, hein?
De maneira transversa acabamos por falar em cancer. E no cancer do preconceito. O mesmo cancer que pode tirar a oportunidade de mudança na política americana e mundial.
Voce acredita mesmo que o negro vença as eleições? Eu não. O cancer não deixará é a minha aposta.
Devo informar que não sou lá muito bom em apostas, normalmente erro, viu?
Beijo, menina

Anônimo disse...

Ufa! Consegui chegar até o final! Que fôlego o seu! Também acredito em uma vitória de Obama, mas tendo de ceder para interesses diversos ao longo do governo. Essa experiência de vida pregressa sem dúvida o qualifica para negociar e estar do lado dos mais fracos e despossuídos dos States e do mundo.

Anônimo disse...

oi Janaína,

A onda Obama é grande mesmo. Os jovens lá sacaram o Obama pelo o que ele diz ao mundo em relação aos EUA. Isso tá TAMBÉM dito no seu post...

"Jovem" é espírito de ser antenado, plugado, ligado! É essa galera que vota em peso nele.

bjo tarde que já arde.

Edu O. disse...

que vontade de ter você, maria, Bernardo e Obama aqui tomando um café e me ensinando tanto sobre a vida. Com lágrimas nos olhos vou brinda com xícara por nós. Que venham os novos tempos!

Edu O. disse...

ah, esqueci de dizer! hoje escrevi sobre meu amor por São paulo.

Janaina Amado disse...

Valter, colo aqui o que escrevi nos comentários do acreditandonotruque, em resposta ao Miro (quando começo o texto lá e venho pra cá, às vezes as pessoas comentam nos dois lugares):"A eleição não está garantida. O "meião" dos EUA é mesmo um horror. E já está provado que candidatos negros têm de garantir nas pesquisas uma margem muito grande a seu favor (maior do que a que Obama vem obtendo), pois muitos eleitores declaram que vão votar no candidato negro, mas, na hora, não votam. E muitos negros que pretendiam votar, como são mais pobres, às vezes não conseguem chegar até o local de votação no dia da eleição, dia de trabalho normal por lá (esses eleitores têm mais de um emprego, não tem dinheiro para o transporte, etc). Vamos ficar na torcida!"
Paloma, é isso aí, na torcida. Jovem Coelho das Horas, um beijo corrido da Alice. Edu, adorei a idéia de um papo com você, Maria, Bernardo e Barack Obama. O que vamos servir?

Senhorita B. disse...

Jana,
Estou torcendo muito para o Obama, muito mesmo! Não por ser negro, mas por ser um cara com energia, competente e estudioso.
Quanto à questão do câncer, a Susan Sontag já escreveu sobre esse mito tolo que foi criado. No passado, a tuberculose tinha o mesmo olhar social. Temos que ultrapassar essas questões. O câncer tem, sim, cura e não deve ser usado de forma pejorativa.
Bjs

Ordisi Raluz disse...

Janaína, hoje a segunda vez que estou no seu blog, da primeira fui interrompido no meio da leitura. Entendo a preferência geral pelo Obama por sua semelhança conosco brasileiros, o Mac Cain parece arrogante e antipático. Não creio que nenhum deles seja lá muito bom, a Hillary seria melhor que ambos por seguir a linha mais experiente e pacífica de Clinton.

[Pin & Güim são velhos personagens meus, vc poderá ve-los no meu blog anterior http://ordisiraluz.zip.net.
Eles me proveram um meio de exercitar pensamentos, criticar costumes, fazer crônicas relâmpago, sempre com algum humor mais refinado ou sarcastico - por vezes descaradamente sacana mesmo. E agora, saudoso, os trago de volta, estranhando o fundo preto do template atual, rs. Daí usá-los como gravatar. Adoro-os]

valter ferraz disse...

Janaína,
viu como eu erro?
Agora, o rapaz vai ter entregar o que prometeu.
Beijo, menina

Muadiê Maria disse...

Me impolguei também e fiquei doida pra ler a autobiografia...
bjo

Janaina Amado disse...

Valter, quando eu quiser que alguém ganhe alguma coisa, já sei: peço pra você apostar contra!
Ordisi e Maria Muadiê, é muito bom tê-los como leitores e comentadores. Abraços.

Anônimo disse...

Aqui em casa de brasileiros-americanos, ficamos emocionados com a vitória inequívoca de Obama. Agora é torcer para que toda a sua inteligência e esforço ajude os EUA e o mundo neste momento tão delicado.

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