quarta-feira, 25 de março de 2009

Poemas sobre a infância


[ Somente grandes poetas sabem escrever sobre a infância, este tema tão visitado, importante e difícil. Abaixo, dois poemas sobre memórias da infância, duas diferentes aproximações. Abraços! Hoje acordei menina].

Velha Chácara


A casa era por aqui...
nde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.

Ah quanto tempo passou!
(Foram mais de cinqüenta anos.)
Tantos que a morte levou!
(E a vida... nos desenganos...)

A usura fez tábua rasa
Da velha chácara triste:
Não existe mais a casa...
— Mas o menino ainda existe.

( Manuel Bandeira, Lira dos Cinquent´Anos)


O Maestro Sacode a Batuta

O maestro sacode a batuta,
A lânguida e triste a música rompe ...
Lembra-me a minha infância, aquele dia
Em que eu brincava ao pé dum muro de quintal
tirando-lhe com, uma bola que tinha dum lado
O deslizar dum cão verde, e do outro lado
Um cavalo azul a correr com um jockey amarelo ...

Prossegue a música, e eis na minha infância
De repente entre mim e o maestro, muro branco,
Vai e vem a bola, ora um cão verde,
Ora um cavalo azul com um jockey amarelo...

Todo o teatro é o meu quintal, a minha infância
Está em todos os lugares e a bola vem a tocar música,
Uma música triste e vaga que passeia no meu quintal
Vestida de cão verde tornando-se jockey amarelo...

(Tão rápida gira a bola entre mim e os músicos...)
Atiro-a de encontra à minha infância e ela
Atravessa o teatro todo que está aos meus pés
A brincar com um jockey amarelo e um cão verde
E um cavalo azul que aparece por cima do muro
Do meu quintal... E a música atira com bolas
À minha infância... E o muro do quintal é feito de gestos
De batuta e rotações confusas de cães verdes
E cavalos azuis e jockeys amarelos ...

Todo o teatro é um muro branco de música
Por onde um cão verde corre atrás de minha saudade
Da minha infância, cavalo azul com um jockey amarelo...
E dum lado para o outro, da direita para a esquerda,
Donde há árvores e entre os ramos ao pé da copa
Com orquestras a tocar música,
Para onde há filas de bolas na loja onde a comprei
E o homem da loja sorri entre as memórias da minha infância...

E a música cessa como um muro que desaba,
A bola rola pelo despenhadeiro dos meus sonhos interrompidos,
E do alto dum cavalo azul, o maestro, jockey amarelo tornando-se preto,
Agradece, pousando a batuta em cima da fuga dum muro,
E curva-se, sorrindo, com uma bola branca em cima da cabeça,
Bola branca que lhe desaparece pelas costas abaixo...

(Fernando Pessoa, Cancioneiro)

*Imagem daqui

6 comentários:

Aninha Pontes disse...

Delícia se sentir menina as vezes.
Me lembrou que meu quintal também era meu palco, meu circo, minha escola, minha praça.
Meu quintal era meu mundo.
Gostoso de ler e lembrar.
Beijos

dade amorim disse...

Eles são grandes, Janaína! Só os grandes conseguem essa sintonia fina com a infância.
Beijo.

Assim que sou disse...

Li com calma e deleite a poesia de Manoel Bandeira. Poeta menino a brincar com as palavras e fazê-las sempre fonte de eterna juventude.
Esse prazer do olhar de criança é algo que luto para não perder.
Amanhã no blog Criative-se ( www.criativesse.blogspot.com) vou postar um texto sobre momentos em que fui e sou feliz. Não tenho dúvidas de que meu olhar de criança tem me possibilitado boa parte desses momentos. Gostaria muito que você lesse.
Bom..mas se quiser também continuo no Assim que sou. bjs. Veronica

guilhermina, (ataulfo) e convidados disse...

Janaína,

Bandeira me levou a tantos arredores...
Fiquei com os pés no riacho,
lembrei tantos amigos,
e olha... os 50 ainda me aguardam, faltam curvas na minha picada.
Mesmo assim, minha infância não tem mais casa... Ai.
Deixei Pessoa para amanhã. Sei que ele me espera.
Obrigada
Guilhermina

Anônimo disse...

eu sou um super apreciador de Manuel Bandeira

marcos botechio disse...

Este poema nos faz lembrar de cada coisa,pois muitos ja viveram ou estao vivendo está linda faze da vida, que é a infância.

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