O BORGES QUE ESCOLHI
Sidney Wanderley
Não o celebrado e exaurido cantor
dos tigres de Bengala e Sumatra,
das refutações do tempo,
do horror aos espelhos
(que, como as cópulas,
multiplicam os homens),
dos punhais e dos compadritos,
das espadas e dos labirintos,
de Dante, dos vikings e das kenningar
e dos rios e das rosas e de Rosas;
sim o fazedor de versos
sem metafísica e certeiros:
“o olor interminável dos eucaliptos”
“minhas lembranças, antigas até a ternura”
“a água crapulosa de um charco”
“o incêndio, com ferozes mandíbulas, devora o campo”
“um céu da cor da gengiva dos leopardos”
e que severamente vaticina:
“Te espera o mármore que não lerás.”
dos tigres de Bengala e Sumatra,
das refutações do tempo,
do horror aos espelhos
(que, como as cópulas,
multiplicam os homens),
dos punhais e dos compadritos,
das espadas e dos labirintos,
de Dante, dos vikings e das kenningar
e dos rios e das rosas e de Rosas;
sim o fazedor de versos
sem metafísica e certeiros:
“o olor interminável dos eucaliptos”
“minhas lembranças, antigas até a ternura”
“a água crapulosa de um charco”
“o incêndio, com ferozes mandíbulas, devora o campo”
“um céu da cor da gengiva dos leopardos”
e que severamente vaticina:
“Te espera o mármore que não lerás.”
Recebi hoje estes belos versos de Sidney Wanderley, em que canta o Borges poeta. Isto me fez lembrar que Jorge Luis Borges é mais conhecido entre nós por sua prosa, especialmente pelos contos magníficos de O Aleph e Ficções. Mas foi como poeta que Borges começou, com Fervor de Buenos Aires, Lua de Fronte e Caderno San Martín (de 1923, 1925 e 1929, respectivamente), como foi aos poemas que Borges retornou, na maturidade. E poeta o múltiplo Borges sempre se autointitulou.
Além do poema de Sidney, acrescento aqui dois poemas do próprio Borges, para sempre nos lembrarmos da beleza e da grandeza de sua poesia (falando nisso: a Cia. das Letras acaba de lançar Poesia, de Borges, edição bilíngue com tradução de Josely Vianna Baptista):
EL SUICIDA
No quedará en la noche una estrella.
No quedará la noche
Moriré y conmigo la suma
Del intolerable universo.
Borraré las pirámides, las medallas,
Los continentes y las caras.
Borraré la acumulación del pasado.
Haré polvo la historia, polvo el polvo.
Estoy mirando el último poniente.
Oigo el último pájaro.
Lego la nada a nadie.
O S UICIDA
Não restará na noite uma estrela.
Não restará a noite.
Morrerei, e comigo a soma
do intolerável universo.
Apagarei as pirâmides, as medalhas,
os continentes e os rostos.
Apagarei a acumulação do passado.
Transformarei em pó a história, em pó o pó.
Estou mirando o último poente.
Ouço o último pássaro.
Deixo o nada a ninguém.
(Borges, "El Suicida", in: La Rosa Profunda. Tradução de Renato Suttana)
Não restará a noite.
Morrerei, e comigo a soma
do intolerável universo.
Apagarei as pirâmides, as medalhas,
os continentes e os rostos.
Apagarei a acumulação do passado.
Transformarei em pó a história, em pó o pó.
Estou mirando o último poente.
Ouço o último pássaro.
Deixo o nada a ninguém.
(Borges, "El Suicida", in: La Rosa Profunda. Tradução de Renato Suttana)
EL SUR
Desde uno de tus patios haber mirado
las antiguas estrellas,
desde el banco de
la sombra haber mirado
esas luces dispersas
que mi ignorancia no ha aprendido a nombrar
ni a ordenar en contelaciones,
haber sentido el circulo del agua
en el secreto aljibe,
el olor del jazmin y la madreselva,
el silencio del pájaro dormido,
el arco del zanguán, la hemedad
–esas cosas, acaso, son el poema
O SUL
De um dos pátios ter olhado
as antigas estrelas,
o banco da
sombra ter olhado
essas luzes dispersas
que minha ignorância não aprendeu a nomear
nem a ordenar em constelações,
ter sentido o círculo da água
na secreta cisterna,
o odor do jasmim e da madressilva,
o silêncio do pássaro adormecido,
o arco do saguão, a umidade
- essas coisas são, talvez, o poema.
(Borgers, in: Fervor de Buenos Aires. Tradução de Jorge Schwartz)
9 comentários:
uma vez, adolescente ainda... ganhei um livro do Borges de um namorado, mas brigamos e eu rasguei o livro... tão boba... hj... batia no namorado, mas não rasgava o livro de modo algum! rs
abraço
Uma delícia sem fim de se ler. Boa escolha pra comemorar o dia da poesia, Janaína.
Beijo, uma ótima semana pra você.
Excelente escolha para o dia da poesia... Borges, seja em sua prosa poética ou em seus versos cheios de lirismo, é encantador!
Beijos!
Gostei muito do poema de Sidney Wanderley, não conhecia este poeta. Bom encontrar peças deste nível na net. E Borges é sempre Borges.
Nelita Lopes
Para certas pessoas, as palavras fluem, como flui o canto dos pássaros.
Tão naturalmente.
À eles o m eu respeito e admiração.
E prá você o meu beijo.
Puxa, eu não sabia que o Borges poeta era tão terno. Gostei de todos os poemas aqui.
Edilvan Malva, de Lagarto(SE)
Ave Maria, lindo demais.
Janaína,
Gosto imensamente de Borges, e esse poema de S. Wanderley é uma belíssima homenagem. Obrigada por partilhar!
Bjs.
Salve você por nos salvar com Borges!
Bj
Guilhermina
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