sábado, 28 de fevereiro de 2009

Millôr Fernandes

















Para mim, é nosso maior intelectual vivo. Ninguém tem obra tão vasta, original, variada, erudita, crítica, brilhante e divertida como a dele, atualmente. Ninguém escreve e desenha com a mesma qualidade dele; ninguém cria textos e traduz com a excelência dele. Como é humorista, muitos, erradamente, não o levam a sério nem lhe prestam a devida atenção. E, como tem publicado grande parte de seus escritos e desenhos “aos pedaços”, isto é, em revistas, muitos perderam a noção da importância do conjunto da sua produção.

Millôr Fernandes é uma espécie de consciência crítica da nação. Ao longo de décadas, seus escritos, charges, livros, caricaturas, desenhos têm a marca inconfundível do seu olhar informado, experiente, irônico e muitas vezes cínico, que nos ensina: “Não é como você pensa, não: é assim que se passa isto; aquilo vai dar naquele beco sem saída; este líder é um bestalhão; aquele se esqueceu de que já morreu.” Millôr sempre foi uma voz independente, jamais se deixou atrelar a partidos, grupos, líderes. Livre pensar é só pensar: um de seus motes. Quando, numa atitude bem brasileira, nós nos mostramos doidos para sermos enganados — tipo me engana que eu gosto —, lá vem uma charge, uma frase, uma aquarela do Millôr para nos alertar, cruamente: “Você não pode se enganar, meu bem: por baixo deste manto, existe a podridão.” Ele nos põe todos, e ao país, a nu. Millôr Fernandes nos faz rir de nós mesmos, seu humor corrosivo destruindo qualquer farsa. E, de lambuja, ainda nos dá uma compreensão mais completa, mais funda, da existência.

Além da produção jornalística, Millôr escreveu diversas peças de teatro, poemas e livros, e fez também primorosas traduções, Shakespeare inclusive. Para conhecer um pouco da sua obra, clique no título deste post, que o transportará ao site dele (é verdade que, se você não for assinante do Uol, só vai ver um poquinho). Somente a título de magro aperitivo, eis algumas de suas pérolas, colhidas ao acaso em A Bíblia do Caos (L&PM, 2002):

“Deus fez o sol. O Demônio inventou o dinheiro, que brilha muito mais.”
“O problema de ficar na fossa é que lá só tem chato”.
“Só a imaginação destrói para a eternidade”.

“Até hoje, no Brasil, só houve uma reforma agrária ampla, verdadeira e eficiente — a das capitanias hereditárias. Para sempre hereditária.”

“Quem não sabe, acredita.”

“Todo cego moral se julga um guia de povos.”
“Meu ideal é que até a hiena pare para pensar um pouco antes de rir de mim.”

A biografia de Millôr Fernandes desafia teorias psicanalíticas e sociológicas. Nascido em 1923 no subúrbio do Méier, com um ano ficou órfão de pai, e com dez, de mãe. Ele e os três irmãos (entre eles, o jornalista Hélio Fernandes), foram separados e encaminhados para casas de parentes, sofrendo dificuldades emocionais e financeiras. Aos 17 anos, descobriu que seu nome não é Milton, como pensava, mas Millôr, devido a um erro do funcionário do cartório. E Millôr ficou para sempre, iniciando o que seria uma de suas marcas registradas: reverter a má sorte a seu favor.
Aos 14 anos, ingressou numa redação de jornal, onde passaria grande parte da vida, fazendo de tudo. Entrou para a revista O Cruzeiro, que logo se tornou a mais lida no Brasil. Aí, Millôr — com o pseudônimo “Vão Gogo” — criou O Pif-Paf, onde desenhava e escrevia já com o traço e o humor incomparáveis. Foi um dos fundadores de O Pasquim, o jornal de humor que reinventou o jornalismo brasileiro e, sob todo tipo de censura, nos ajudou a respirar e suportar os anos da ditadura. Millôr raramente dá entrevistas. E não é modesto: sabe do seu valor. Abaixo, um trecho da sua Autobiografia de mim mesmo à procura de mim próprio:

"E lá vou eu de novo, sem freio nem pára-quedas. Saiam da frente, ou debaixo que, se não estou radioativo, muito menos estou radiopassivo. Quando me sentei para escrever vinha tão cheio de idéias que só me saíam gêmeas, as palavras — reco-reco, tatibitate, ronronar, coré-coré, tom-tom, rema-rema, tintim-por-tintim. Fui obrigado a tomar uma pílula anticoncepcional. Agora estou bem, já não dói nada. Quem é que sou eu? Ah, que posso dizer? Como me espanta! Já não fazem Millôres como antigamente! Nasci pequeno e cresci aos poucos. Primeiro me fizeram os meios e, depois, as pontas. Só muito tarde cheguei aos extremos. Cabeça, tronco e membros, eis tudo. E não me revolto. Fiz três revoluções, todas perdidas. A primeira contra Deus, e ele me venceu com um sórdido milagre. A segunda com o destino, e ele me bateu, deixando-me só com seu pior enredo. A terceira contra mim mesmo, e a mim me consumi, e vim parar aqui.”
* Charges de Millôr deste site

16 comentários:

Anônimo disse...

janaína:
o millôr é grande !
um abraço.
romério

Anônimo disse...

BOA!
AMO O MILLOR ANTES MESMO DO TEMPO DO PASQUIM.
PARABÉNS.

Anônimo disse...

Jana,
não consigo ler Millor em livro, e já nem tento ler as gracinhas dele nas revistas - não acho a menor graça. Não quero provocar nada mas acho ele um chato. Como faz tempo deixei de ler as coisas dele, não sei se continua com o péssimo hábito de botar qualquer novo artista (literatura, música, teatro...) abaixo do cu da perua.
Beijos de Maria

guilhermina, (ataulfo) e convidados disse...

Adoro esse seu espaço. Por isso deixei um selo para vc na www.esquinadodesacato.blogspot.com
Bj
Guilhermina

Janaina Amado disse...

Maria, não sei ao que você se refere, mas imagino que o Millôr, produzindo tanto há tanto tempo,e com temperamento polêmico, possa mesmo ter cometido injustiças. Mas já li coisas dele elogiando artistas novos (p.ex., a escritora Ana Maria Gonçalves). Enfim, cada pessoa tem um gosto, né? Pra mim, ele é grande! Beijos.

Anônimo disse...

Apesar de estar deste lado do grande mar, já ouvi falar do Millôr, já li, mesmo o Pasquim e ainda bem que há gente que gosta do seu bom gosto desafiante :)

dade amorim disse...

Sempre fui fã do Millôr e concordo com você: ele é brilhante e um atleta existencial (isso parece até coisa de Millôr :))
Não sei se é o maior, mas está certamente entre os maiores, pela cultura, pela ironia, pela criatividade mordaz.
Beijo, querida.

dade amorim disse...

Janaína, tem um selinho maneiro pra você lá no Umbigo do Sonho ;)
Beijo!

Aninha Pontes disse...

Uma pessoa inteligente, criativa como ele, merece sem dúvida minha admiração.
Não conheço o suficiente para falar bem ou mal, mas admiro a sensibilidade em criar.
Um beijo querida;.

Anônimo disse...

obrigada pela visita.

sem dúvidas, é um dos bons contos de Caio F.


abraços.

valter ferraz disse...

Janaína,
nunca levei muito a sério a turma do Pasquim. Levam a vida na flauta, como se dizia no meu tempo.
Para mim a conciência crítica do país é João Ubaldo Ribeiro. Este sim, ainda desconhecido. Muito comentado e pouco lido.
Beijo, menina

ps:venho pouco e quando venho é prá discordar, né? Tenho jeito não.

irneh disse...

Olá

Obrigada pela visita e pelas palavras deixadas. Volte sempre!
Gostei do seu espaço e voltarei sempre que possa.
Bj

claudio rodrigues disse...

Oi, unicórnio azul. Esse Millor é demais mesmo. Só este nome dele, escolhido a aprtir de um erro vaticinou o intelectual que ele seria. A Bíblia do caos é uma obra... Esse autor devia ser tema de estudo, e ainda nao é.

Cristiane Marino disse...

Apesar de nem sempre comentar acompanho de perto seu blog!

Tem um mimo para você lá no meu blog!

abraço

Senhorita B. disse...

Faz uma força, Jana! Vai ser muito legal!
Bjs

ADRIANO NUNES disse...

Janaína,

Fiz o soneto logo após nosso contato. Estava devendo uma justa homenagem a você.


Grande abraço!
Adriano Nunes.

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