terça-feira, 16 de junho de 2009

Konstantinos Kaváfis


Ele é considerado o mais importante poeta grego da primeira metade do século XX, e um dos maiores do mundo em sua época. Konstantinos Kaváfis (grafa-se também Constantino, Konstantino, Constantinos, Cavafis, Caváfis, Kavafis... Tanto faz, pois o nome é originalmente escrito em alfabeto grego) nasceu e morreu (1863-1933) em Alexandria, Egito, de família grega, originária de Constantinopla. Devido a problemas econômicos, seus pais trocaram Alexandria pela Inglaterra quando Kaváfis era criança, ali vivendo durante sete anos. Este período inglês — reforçado por visita à Grã-Bretanha, quando o poeta era adulto — foi muito importante para Kaváfis, que se tornou grande conhecedor e admirador da literatura inglesa, escrevendo inclusive poemas em inglês (além dos que escreveu em grego, a maioria, e dos poucos em francês).
De volta a Alexandria, viveu tempos de grande dificuldade econômica, até conseguir emprego na Bolsa de Valores, onde trabalhou durante muitos anos. Escreveu poemas desde bem jovem, mas se manteve afastado dos eventos e círculos literários. Publicou seus poemas em revistas literárias ou simplesmente os ofereceu aos amigos. A primeira coletânea de sua poesia foi publicada em 1935, dois anos após sua morte.
Kaváfis esteve várias vezes na Grécia e visitou a França, mas Alexandria foi o centro de sua vida. Homossexual assumido, levou vida discreta, incorporando o tema da homossexualidade à sua poesia. Seus versos unem as tradições helenísticas (pelas quais era apaixonado), que têm mitologia e formas literárias próprias, às preocupações e à linguagem do tempo em que viveu, inclusive com o emprego, pouco usual à época, da linguagem coloquial. Poeta de extraordinária imaginação, Kaváfis tem hoje uma legião de admiradores em todo o mundo. Existem traduções de seus poemas para o português feitas por portugueses e por brasileiros.

O poema a seguir é provavelmente o mais conhecido de Kaváfis. Foi ao lê-lo que me apaixonei pela poesia do autor, daí em diante sempre que posso retornando aos seus versos:

Ítaca

Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrará
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda a espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.

Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.

(Tradução: José Paulo Paes. Para tradução do mesmo poema por Haroldo de Campos, clique
aqui)

O poema a seguir sempre me comoveu. Não descubro onde está seu apelo, sua magia. Só sei que o releio sempre:

O Sol da Tarde

Este quarto, como o conheço bem.
Agora alugam-se quer este quer o do lado
para escritórios comerciais. A casa toda tornou-se
escritórios de intermediários, e de comerciantes, e Sociedades.

Ah este quarto, não é nada estranho.

Perto da porta por aqui estava o sofá,
e diante dele um tapete turco;
ao pé a prateleira com duas jarras amarelas.
À direita; não, em frente, um armário com espelho.
Ao meio a sua mesa de escrever;
e três grandes cadeiras de vime.
Ao lado da janela estava a cama
onde nos amámos tantas vezes.

Estarão ainda os coitados nalgum lugar.

Ao lado da janela estava a cama;
o sol da tarde chegava-lhe até metade.

...De tarde quatro horas, tínhamo-nos separado
por uma semana só . . . Ai de mim,
aquela semana tornou-se para sempre.


(Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis)

Este é outra maravilha, em tradução de José Paulo Paes:

Muros

Sem cuidado nenhum, sem respeito nem pesar,
ergueram à minha volta altos muros de pedra.
E agora aqui estou, em desespero, sem pensar
noutra coisa: o infortúnio a mente me depreda.

E eu que tinha tanta coisa por fazer lá fora!
Quando os ergueram, mal notei os muros, esses.
Não ouvi voz de pedreiro, um ruído que fora.
Isolaram-me do mundo sem que eu percebesse.

Para encerrar, esta obra-prima:

Quando Elas Despertam

Procura guardá-las, Poeta,
por poucas que sejam de guardar,
do teu amar as visões.
Coloca-as no meio ocultas nas tuas frases.

Procura detê-las, Poeta,
quando em tua cabeça elas despertam,
de noite ou na luz crua do meio-dia.

(Tradução: Jorge de Sena)

[Recentemente, Antônio Cícero postou "Quando Despertam", lindo poema de Kaváfis, em seu
blog. Vários leitores acrescentaram lá , nos comentários, outros poemas/traduções do poeta. O Adriano Nunes sugeriu que eu postasse "Muros" aqui. Foi por causa dessas relembranças de Kaváfis que decidi escrever este post.]

13 comentários:

Muadiê Maria disse...

maravilha.

. fina flor . disse...

nossa, não conhecia os poemas, amei "muros".

beijos e obrigada pela gentil visita, volte sempre que quiser ;o)

MM.

dade amorim disse...

Kaváfis está no elenco de nossos poetas prediletos na Oficina de Poesia da Estação da Letras, Janaína. Ele é grande e o post está uma beleza. Beijo!

ADRIANO NUNES disse...

Janaína,

Excelente! Bravo! E... Muito obrigado!!!!


Beijo imenso!
Adriano Nunes.

Anônimo disse...

Tudo muito bom, Janaína.
Assim como o post sobre Sosígenes Costa que você escreveu em outubro de 2008.
Esperamos outros.
Abraço.
Mariano

claudio rodrigues disse...

Kavávis tem a sonoridade grega latente nas palavras. Força e leveza tudo junto. quero ser como ele, num futuro bem distante.

Ana Tapadas disse...

Janaina.
Adoro este poeta! Que boa surpresa vê-lo aqui.
Gosto da tua abrangência!
Por isso, lé está um pequeno prémio no meu blogue para ti - chega de Itália.
beijocas

comboio turbulento disse...

Excelente. Confesso o meu desconhecimento deste poeta. Foi uma agradável descoberta. Obrig

Nine de Azevedo disse...

OI Janaina cheguei aqui pelo caminho da "esquina..."nao conhecia o poeta ,foi um presente!bjs

Gerana disse...

Beleza pura. Traduzi, com José Paulo Paes, um poema dele. Um dia colocarei no leitora.

Jefferson Bessa disse...

Valeu mesmo pelos poemas de Constantinos...lindos!

UM abraço.

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ disse...

Janaina, nunca ouvi falar dele.


Uma boa semana prá você.

Beijos

Anônimo disse...

Têm um outro poeta grego, Yannis Ritsos, cuja poesia também provoca boas sensações sobre as coisas simples da vida como:

Tardinha

Regou as flores. Ouviu a água a pingar da varanda,as tábuas ficam húmidas, envelhecem. Depois de amanhã, quando a varanda cair, ela ficará suspensa no ar,
serena, formosa, segurando em suas mãos
os dois grandes vasos de gerânios e o seu sorriso. Ítalo G.

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