quinta-feira, 11 de junho de 2009

Colo


Têm dias, sabe, em que me sinto completamente sozinha no mundo. Tô fazendo alguma coisa - passeando, por exemplo, ou estudando -, aí me bate uma solidão absoluta, como se ninguém existisse no planeta, apenas eu, perdida entre as altas dunas amarelas de um deserto onde o vento é tão forte que me seca o corpo e carrega para sempre a minha alma. Nesses momentos é ótimo encontrar seus olhos escuros, atentos, atenciosos. Só eles conseguem me trazer de volta a luz e a alegria do mundo.

Às vezes eu me sinto muito fraca diante da vida. Todos são mais bonitos, mais fortes, melhores do que eu. Os meus colegas são mais espertos, as minhas amigas, mais belas, e até Juliana, a irmã caçula, está conseguindo muito mais sucesso do que jamais tive. Sou poeira, cisco que a ventania leva para onde quer e depois deposita junto aos caranguejos da lama. A mais fraca de todos os seres, nem consigo carregar meu próprio peso. Ando curvada. Sugada por alguma força misteriosa, minha energia escorre por um ralo enorme que nem sei onde está. Por isso, de noite, me tranco sozinha no quarto. Choro sem ninguém ver, baixinho, cara enterrada no travesseiro. Se no caminho pro meu quarto, porém, eu encontro você, e se você, parecendo que percebe o que vai dentro de mim, ou mesmo sem perceber você me abraça, me beija, me afaga, então vou sentindo renascer a vida, no começo fraca, aos poucos mais intensa, espalhando-se pelo corpo desde o centro, o meu umbigo. Às vezes melhoro tanto que desisto de chorar. Vou ficando por ali mesmo, plugada na sua tomada, mina das minhas energias. Afinal, se você gosta de mim, diabos! eu não posso ser tão fraca e ruim assim.
Lembra da última vez em que tratei você super mal, quando lhe fiz aquela má-criação tamanho gigante? Eu andava nervosa, tudo naquela época estava dando errado pra mim. Até o papagaio da vizinha implicava comigo! Descontei em você, a mais próxima, a primeira que me apareceu pela frente naquela noite, reclamando não me lembro mais do quê. Fui grossa demais. O pior é que nem notei, mergulhada na minha própria vidinha, no meu redemoinho particular, apartada dos sentimentos alheios. Só muitos dias depois percebi o tamanho da minha estupidez, e sabe como? Senti falta do seu riso. Meu astral já estava melhor, o mundo parecia aos poucos voltar aos eixos, mas, se era assim, por que então aquela tristeza, logo na hora do jantar? Vi de relance seu rosto cabisbaixo, olhos desconsolados acompanhando os movimentos da faca na toalha... Na saudade do seu riso, lembrei da minha explosão de dias antes, juntei causa e consequência. O remorso que senti, sei, foi egoísta: “Não posso feri-la de novo”, lembro que pensei, “pois eu não suportaria viver sem o riso dela.”

Só pra terminar: até hoje, do que mais gosto na vida são dos seus colinhos! Tô sabendo - sou grande demais pra colo, nunca sei direito onde colocar esses braços e pernas tão finos que cresceram desmesuradamente, escapando desordenados para todos os lados, sei que dói em você quando pulo em cima... Mesmo assim, repito: eu, a garça pernalta, até hoje adoro o seu colinho! Ele é como um útero, acolhedor e calmo, silencioso, quentinho... Traz paz. Seu colo é bom demais, minha filha!

[ Este texto faz parte de uma série que estou escrevendo para adolescentes]
*Imagem daqui

17 comentários:

Senhorita B. disse...

Ah, me sinto ainda tanto assim! Acho que não deixei de ser adolescente!(rs)
Bjs

Janaina Amado disse...

Renata: no final do texto, quando inverti a narradora (da filha adolescente para a mãe), quis causar este efeito mesmo — o leitor adulto também se identificar, sentir/saber/lembrar que precisa de colo e proteção, inclusive da/o filha/o. E pensei que, para uma/um adolescente, em geral às turras com a mãe, esta figura que lhe parece cobradora e poderosa, seria importante perceber que a mãe também é em muitos momentos frágil e precisa de proteção.

Robertinho disse...

Meu filho ainda tem três anos e já recorrir ao seu colo algumas vezes, digo colo os momentos em que tava triste e bastava-me abraço e ficar apertadinho ao ponto dele achar estranho e perguntar, "foi o quê pai?"...isso pra mim já bastou. O Colo...muito bom, amei.

ADRIANO NUNES disse...

Janaína,

Adorei o poema que você postou em comentário no blog do Cicero. Por que não posta aqui em seu blog?


Beijos,
Adriano Nunes.

Celia disse...

Muito bonito o texto. Existem muitos nessa situacao. Bom fim de semana. Bj

Ana Tapadas disse...

Que texto lindo e verdadeiro e que delícia para o meu estado de hoje!
Obrigada.
Um beijinho

Juan Trasmonte disse...

Jana, tem horas em que queremos colo mesmo, mas assim um colo universal que nos faça esquecer por um momento do peso do mundo.
Adorei o texto.
Beijos

M. disse...

Tão lindo, Jana, tão lindo. Beijos

Gerana disse...

Muito emocionante o texto "Colo". Eu adorava tanto o colo de meu pai - não resisti e até postei uma foto de nós dois (eu no colo dele) no dia que era seu aniversário, 22 de maio - tanta saudade! Seu texto me tocou muito.

Muadiê Maria disse...

emocionante e lindo. Tenho uma filha menina-mulher ....é uma amor tão grande, maravilhoso, gostoso, vou mandar pra ela esse texto, ela vai sentir como o colo dela ´pe bom pra mim.
beij0

aeronauta disse...

Tocante mesmo, Janaína.

Meg disse...

Janaína,

A gente gosta de colo até de neta!!!Como eu seu isso!
Adorei seu texto... gostava de saber como conseguir comprar os seus livros.

Um beijo

claudio rodrigues disse...

Lindo texto. De uma força... E quem não precisa de colo? eita humanidade frágil...

ediney disse...

"tem dias que a gente s sente talvez um pouqunho menos gente" Raul, re-leituras

guilhermina, (ataulfo) e convidados disse...

ao longo de toda a leitura, fui tomda pelo desejo de saber a quem se dirigia a declaração de fragilidade e, ao mesmo tempo, o reconhecimento da força que nutre... ao final, impossível não me lembrar de Cora, a Coralina: filhos, pequeninos e frágeis? não! construíram minha resistência.
Bela imagem.
bj
guilhermina

Aninha Pontes disse...

É que você sabe das coisas.
É exatamente assim que sinto as vezes. Tão frágil, tão fraca, uma sensação de fracasso. E fracasso, nenhum cristão merece sentir. É pesado demais.
O texto está lindo. Mexe com a gente.
Um beijo querida.

Cris disse...

Privilégio te ler, Janaína, e ...aprender. Essa inversão de papéis ocorre quando há amor e é permitida pelo milagre da vida.
Sentir-me um cisco é normal vez ou outra. Apenas sentir-se...Você é grande demais, garota.

Beijão.

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