Meus pais eram ateus e comunistas. Não quiseram, portanto, me batizar.
Meus avós maternos eram profundamente católicos. Se havia alguma coisa com que não podiam concordar era sua neta permanecer pagã.
Numa bela manhã em que, bebê de três meses, fui deixada na casa dos avós, eles não tiveram dúvida: comigo no colo, partiram imediatamente para a igreja de Nazareth, próxima ao local onde moravam. Os dois eram muito conhecidos naquela igreja, frequentavam-na desde que haviam se mudado de Cruz das Almas para Salvador. Não haveria problema algum em ali batizarem a neta, da qual seriam inclusive padrinhos.
Mas as coisas não se passaram exatamente como previam meus avós.
Após receber muito bem o casal, prontificando-se a fazer imediatamente o batizado, o padre começou a anotar os dados:
— Nome da menina?
— Janaína.
— Como? – o padre chegou a dar um pulo para trás, horrorizado. Minha avó repetiu o nome.
— Janaína? Janaína não é um dos nomes de Yemanjá? Virgem Maria, isso é nome de candomblé! Fez o sinal da cruz e anunciou sua firme decisão:
— Não batizo, de jeito nenhum! Onde já se viu dar o batismo a gente de candomblé?
Isso tudo aconteceu muito antes do Concílio Vaticano II, do ecumenismo religioso, da posição tolerante dos católicos em relação às outras religiões. À época, a Igreja Católica considerava-se a dona única da religião, não querendo saber de sincretismos. Sua posição era de confronto com as outras religiões, especialmente as de origem africana.
Assustada, minha avó explicou que meus pais não frequentavam candomblés:
— Não, não. Eles são é intelectuais, o senhor conhece bem Jaci. Ela e o marido gostam dessa coisa de cultura do povo, por isso escolheram esse nome para a menina. É uma homenagem à cultura popular, eles dizem, e... — a pobre avó tentava explicar o que ela não compreendia bem nem aceitava.
Meus avós maternos eram profundamente católicos. Se havia alguma coisa com que não podiam concordar era sua neta permanecer pagã.
Numa bela manhã em que, bebê de três meses, fui deixada na casa dos avós, eles não tiveram dúvida: comigo no colo, partiram imediatamente para a igreja de Nazareth, próxima ao local onde moravam. Os dois eram muito conhecidos naquela igreja, frequentavam-na desde que haviam se mudado de Cruz das Almas para Salvador. Não haveria problema algum em ali batizarem a neta, da qual seriam inclusive padrinhos.
Mas as coisas não se passaram exatamente como previam meus avós.
Após receber muito bem o casal, prontificando-se a fazer imediatamente o batizado, o padre começou a anotar os dados:
— Nome da menina?
— Janaína.
— Como? – o padre chegou a dar um pulo para trás, horrorizado. Minha avó repetiu o nome.
— Janaína? Janaína não é um dos nomes de Yemanjá? Virgem Maria, isso é nome de candomblé! Fez o sinal da cruz e anunciou sua firme decisão:
— Não batizo, de jeito nenhum! Onde já se viu dar o batismo a gente de candomblé?
Isso tudo aconteceu muito antes do Concílio Vaticano II, do ecumenismo religioso, da posição tolerante dos católicos em relação às outras religiões. À época, a Igreja Católica considerava-se a dona única da religião, não querendo saber de sincretismos. Sua posição era de confronto com as outras religiões, especialmente as de origem africana.
Assustada, minha avó explicou que meus pais não frequentavam candomblés:
— Não, não. Eles são é intelectuais, o senhor conhece bem Jaci. Ela e o marido gostam dessa coisa de cultura do povo, por isso escolheram esse nome para a menina. É uma homenagem à cultura popular, eles dizem, e... — a pobre avó tentava explicar o que ela não compreendia bem nem aceitava.
— Cultura popular coisa nenhuma, dona Bebé! Onde já se viu escolher para a pobre criança um nome de candomblé? A menina vai levar essa marca para o resto da vida! Não batizo!
Meu avô interferiu seriamente, argumentando sobre o prejuízo maior que a atitude do padre traria à criança – embora inocente do erro dos pais, ela seria impedida de pertencer ao corpo de fiéis da Igreja... O padre, contudo, continuou firme em sua posição.
Após muita controvérsia, o avô — deputado estadual à época, fiel de influência, portanto — resolveu lembrar ao padre o sério prejuízo financeiro, moral e social que sua atitude poderia acarretar à paróquia de Nazareth... Ameaça velada, que o padre compreendeu e à qual se mostrou sensível:
— Então eu batizo. Mas com uma condição: na certidão, o nome tem de ser Janaína Maria!
Assim foi feito. O padre, a contragosto, oficializou seu primeiro sincretismo religioso, meus avós saíram felizes da igreja, e eu tenho esta história pra contar.
Imagem: Postais Pau Brasilis
Meu avô interferiu seriamente, argumentando sobre o prejuízo maior que a atitude do padre traria à criança – embora inocente do erro dos pais, ela seria impedida de pertencer ao corpo de fiéis da Igreja... O padre, contudo, continuou firme em sua posição.
Após muita controvérsia, o avô — deputado estadual à época, fiel de influência, portanto — resolveu lembrar ao padre o sério prejuízo financeiro, moral e social que sua atitude poderia acarretar à paróquia de Nazareth... Ameaça velada, que o padre compreendeu e à qual se mostrou sensível:
— Então eu batizo. Mas com uma condição: na certidão, o nome tem de ser Janaína Maria!
Assim foi feito. O padre, a contragosto, oficializou seu primeiro sincretismo religioso, meus avós saíram felizes da igreja, e eu tenho esta história pra contar.
Imagem: Postais Pau Brasilis
28 comentários:
Ô Janaína, estou aqui no meu canto escrevendo e você escreve esta história maravilhosa! Vim aqui te dar um beijo.
Adorei ...
Boa terça-feira.
Bem, minha conclusão: a melhor religião é o dinheiro, porque resolve qualquer problema. No seu caso, o padre saiu contente, seus avós sairam contentes, e você recebeu o primeiro diplominha da sua vida, infelizmente, como parece,comprado. Felizmente você continuou sendo Janaina, não é, Maria?
Uai! Intão, ocê tá no paraíso. Havia o paraiso, Adão e Eva foram expulsos por causa de que fizeram o pecado original. O batismo apaga o pecado original que tava pregado nocê, herdeira dos grandes pecadores que comeram a maçã. Entonces, ocê, limpinha do pecdo alheio, vorta pru paraíso. Tá bom aí no paraíso? João do BH
Seus avos foram safadinhos. Sem o consentimento de seus pais, voce sem voz ativa, eles, contrariando a vontade do padre que se corrompeu, conseguiram seu batismo. Agora, pergunto: valeu tanta estrepolia?
OI Janaina,tambem sou filha de sincretismo religioso,meu pai catolico ,minha mae batista.Acabei sem nenhuma ...ou melhor sou religiosa como na musica dos Tribalistas ,nao sou de ninguem (religiao)e todas me querem bem!(eu quero bem a todas as religioes!)rs...bjs
Grande história, Jana!
Cadê você, xará? Viria aqui no fim de junho, ou não?
Beijos Maricota
PS. Somente 10 anos atrás o padre do Jardim Brasil recusou batizar Gabriel (meu sobrinho neto) porque os pais viviam em "concubinato". Padre Alfredo, do Rosário dos Pretos-Pelô, batizou. No passar dos anos os pais do menino se casaram, deixaram de ser católicos, são batistas. Pronto.
Pois de agora em diante só te chamo de Maria Amado, tá bom procê?
linda a estória do seu batizado. especial!
Janaína Maria Amado, ficou très chic!! E a felicidade de uns pode ser a infelicidade de outros, que seja do padre! Sim, sim, ele é ser penitente, compreendeu certamente! E seus pais, o que falam desta história? :) Beijus
Linda história, Janaína! Sempre digo que sincretismo é algo de extrema sabedoria. Um abraço.
Bom, gente, quero só deixar bem claro que o nome de Maria foi acrescentado só na certidão de batismo. No registro de nascimento, sou Janaína - só Janaína Passos Amado - ainda bem, he he. Poranto, Valter, Luma e anônimo: não tem Maria aqui, não, a Maria ficou na igreja!
Afinal, amiga, J. sem Maria, filha de cadomblé e catolicismo comprado, tu é um ser humano maravilhoso! E, eu, que me situo no ecletismo das ideias, estou aqui para te dar um beijão!
Adorei a história. Li aqui para Aramis também. Pena que não tem Maria, eu gostei tanto da ideia do padre: Janaína Maria, achei lindo!
Até quem não tem Maria, eu gosto de chamar Fulana Maria, Sicrana Maria... Maria é um nome belíssimo.
A história é uma delícia.
Ah! Danou-se amiga. Agora serás para sempre, no mundo dos blogs ao menos, Janaina Maria, ói que chique!
Este relato gracioso contém tantas entrelinhas, né? Hábitos e costumes, dogmas e crenças, diferenças culturais, conflito de gerações, filosofia de vida, ética e como podemos ser ecléticos conforme a necessidade.
Janaína, rainha do mar, é um lindo nome. Aliás, teu sobrenome é invejável, rs.
bj
Janaína,
Ótimo!Parabéns!
Adriano Nunes.
Jana,
Que história linda! Não conhecia mas posso lhe afirmar que nada acontece por acaso. Nas mão dos santos e dos orixás saiu esta pessoa linda e com tanta coisa boa para nos dizer.
Sua sabedoria ultrapassa a a nossa humanidade porque é capaz de acolher e compreender.
Bjos prima
Que loucura, rsrsrs*
E eu pensando que você ia contar que se batizou no Candomblé, rs*
Boa essa história ;o)
beijos, querida e obrigada pela gentil visita
MM.
Janaina, Maria: dois lindos nomes. Beijos
Janaína. Prá nós e para o mundo Janaína.
Para a igreja que foi e sempre será de puro interesse, se enganou, em nome do dinheiro.
Passou um pano, como dizem os garotos.
Apaziguou a consciência, só.
Um beijo querida.
Determinados seus avós e você saiu ganhando com benção de todo lado, rss
Muito boa história.
beijos
Sou do dia 02/02 e, muitas vezes meus pais tiveram que responder porque Luciana e não Janaína...
Se eu tivesse sido batizada em Nazaré, teriam uma boa resposta na ponta da língua! hehehe...
Beijos
tô com chorik: o padre, apesar de feladaputa, ia dar uma dentro: janaina maria é o que há de bom!
Uma história e tanto! Louvo a coragem de seus avós em batizarem a neta à revelia dos pais, sem receio de um aborrecimento na família. Grandes personagens seus avós, principalmente pela coragem.
Adoro o seu "terra a terra"
e o cheiro de floresta virgem que se desprende da sua escrita.
xaxuaxo
Adorei!
Em matéria de padres e assemelhados, tenho tido muitas decepções. Fui criada na igreja católica, mas foram poucos os exemplos realmente positivos que recebi dessa instituição. Tenho uma neta chamada Janaína, batizada sem qualquer relutância por um padre amigo da família. As cabeças têm que mudar, porque o tempo transforma tudo e quebra toda resistência. E parabéns pelo nome, que é lindo.
Beijo pra você, uma ótima semana.
Que história fantástica. Gostaria de postar uma história assim, mas não tenho nada parecido nos meus 26
anos...
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