terça-feira, 12 de outubro de 2010

Parada para ajustes



Queridíssimos amigos e leitores,

Este post oficializa uma situação que já vem existindo de fato: a suspensão deste blog por algum tempo. Desde junho, quando publiquei o livro de/sobre minha mãe, a poeta Jacinta Passos, me vi envolvida em muitas atividades ligadas ao livro (três lançamentos, entrevistas, site, blog, etc.), atividades que me interessam, já que o principal objetivo do livro é justamente o de divulgar a trajetória poética e pessoal de Jacinta. Passei também por um período pessoal conturbado, envolvendo desde uma fortíssima tendinite até problemas e doenças em família. Tudo sob controle agora, mas esse tipo de coisa, vocês sabem, nos consomem muito tempo e energia.

Finalmente, também tenho estado empenhada em reunir, organizar e aperfeiçoar meus escritos literários, com vistas à publicação. Tenho trabalhado nos poemas e textos para crianças e também em contos para adultos. Ah, e há também as viagens, para perto e para longe, de que não abro mão enquanto saúde e recursos permitirem, pois são fonte de muito prazer e inspiração. Amanhã mesmo parto para a ilha mágica da Sicília.

Compreendo a blogosfera como uma atividade essencialmente interativa — ler e comentar os posts dos outros é tão rico e importante quanto escrever e publicar os próprios —, o que demanda disponibilidade e tempo. E o fato é que, pelo conjunto de motivos relatados, não tenho conseguido atualizar os blogs. Conseguiria aqui e ali no máximo postar um texto meu, mas não quero assim: quero meu círculo de leitores e amigos de volta, quero a beleza e a riqueza de toda essa experiência para mim maravilhosa. Tão maravilhosa que retardei o quanto pude este texto de agora, na esperança de que, na próxima semana, sim, seria possível retornar à blogsofera. Mas não foi, não tem sido.

Assim, paro aqui, mas voltarei. Assim que possível, espero que em breve. Por ora, deixo as flores acima, o abraço carinhoso e o  agradecimento a vocês todos, pelo que me proporcionaram de convívio rico, intenso, instigante, bonito, pelas lágrimas e risadas.

Em tempo: o site e, dentro dele, o blog de Jacinta continuarão atualizados. E eu permaneço no twitter e no facebook, meios mais rápidos e descompromissados que os blogs.

sábado, 5 de junho de 2010

O coração militante de Jacinta Passos


Mulher, feminista, comunista, separada do marido, empobrecida, louca. Muitos foram os estigmas que Jacinta Passos enfrentou. Sua trajetória de vida absolutamente singular, bem como sua fidelidade às ideias e valores que elegeu, levaram-na a chocar-se diuturnamente contra tudo e todos, na contramão do tempo. Seus embates foram duríssimos. Não fugiu a nenhum. Ao contrário, parece que os buscou. Pagou um preço pessoal muito alto pelas escolhas que fez. Jamais se apresentou como vítima. Caneta e lança na mão, escudo de ferro no peito, foi como guerreira que se apresentou, lutando até o último dia de vida contra muitos, inclusive contra uma parte de si mesma. Venceu, foi derrotada e recomeçou várias vezes, sem nunca ter perdido de todo a ternura, como aconselhava Che Guevara – o Che da Revolução Cubana que ela tanto admirou –, pois foi poeta até morrer.

Este é o primeiro parágrafo da biografia de minha mãe que escrevi, e que consta do livro Jacinta Passos, coração militante,  que será lançado no dia 8 de junho, terça-feira próxima, no Espaço Unibanco de Cinema Gláuber Rocha, na Praça Castro Alves, Salvador, de 18 às 21 horas. O volume reúne a obra completa em verso e prosa de Jacinta, inclusive inéditos, sua fortuna crítica e ensaios escritos especialmente para a edição. Em breve, o livro, que é uma coedição da Corrupio e da Edufba, estará nas livrarias do país, inclusive nas virtuais. A partir da próxima semana, já poderá ser comprado pelo site da Edufba.

*Inagen: Jacinta Passos, década de 1930.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Jacinta Passos retorna


O lançamento deste livro está me deixando muito emocionada. Finalmente, realizo o sonho de trazer de volta toda a bela poesia de minha mãe, a poeta Jacinta Passos (1914-1973), assim como a luta de sua existência. O volume, uma publicação da Editora da Universidade Federal da Bahia e da Editora Corrupio, reúne todos os livros publicados de Jacinta Passos, seus textos jornalísticos, seus inéditos em prosa e verso, sua biografia, a fortuna crítica, além de estudos produzidos especialmente para esta edição por intelectuais de renome. O volume é enriquecido com um caderno de imagens e com os belíssimos desenhos de Lasar Segall, feitos para um dos livros de Jacinta.
Nos próximos dias, postarei mais informações. Espero no lançamento, na próxima terça-feira, dia 8 de junho, na Galeria do Livro, no Espaço Unibanco de Cinema Glauber Rocha, na Praça Castro Alves, os leitores de Salvador e arredores.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Fui ali e volto já



Amigos, não demoro. Logo, logo, estarei de volta, escrevendo meus textos e lendo os de vocês. Abraços.
* Imagem trazida daqui

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Uma paixão



Indiferentes ao mundo em volta, interessados apenas em amar, Dandara e Pedro Lobisomem sequer notaram a presença do anjo e de Ananias Bom Conselho no Boqueirão. Enquanto Ananias matutava e o anjo suspirava, os dois corriam feli-zes pelo alto da mata, nus e de mãos dadas, em direção a uma gruta. Tentavam proteger-se da tempestade que há pouco desabara. Estranha tempestade! Começara mansinha, porém, de repente, sem que se soubesse como ou porque, pareceu o dilúvio. Tingiu os céus de vermelho, armou roncos, raios e trovões, essas zangas da natureza, inundou baixadas e rios, encharcou encostas e acabou expulsando para os abrigos, fossem eles tocas, cavernas, cascas, ninhos ou ocos de árvore, todos os habitantes da mata, inclusive Dandara e Pedro.

Os dois conheciam-se há apenas vinte e quatro horas. Vinte e quatro horas, um dia. Mas pareciam vinte e quatro meses! Ou vinte e quatro anos. Quem sabe não seriam vinte e quatro séculos? Pois quais calendários, afinal, medem vivências? Quais as medidas do amor? Aleluias, tartarugas, dinossauros e orquídeas, geleiras e borboletas, sociedades e rochas, guerras, rotinas e festas, quais relógios são capazes de medir as suas diferenças? O tempo da celebração é o mesmo do desespero? Com quantos, com quais minutos se constrói, enfim, uma paixão?

Filosofias à parte, o fato é que, vinte e quatro horas após se conhecerem, Pedro Lobisomem e Dandara se sentiam íntimos. Haviam esquadrinhado cada pedacinho de seus corpos, dos mil e um jeitos que ele aprendera na vida devassa pelo mundo, e agora, com engenho e arte, agora ensinava a ela. Jeitos que ela imaginara em fantasias, sob estrelas, durante as noites no Quibano, e com ele agora compartia. Pedro admirava a facilidade com que, inteiramente à vontade, como se não houvesse feito outra coisa na vida! ela compreendia os jogos do amor e ainda inventava outras brincadeiras, inovações que o deixavam enlouquecido de prazer.

[Início do terceiro capítulo de meu romance Dandara (S.Paulo: Ed. Maltese, 1995), que estou revisando e transformando em novela. O capítulo é dedicado ao amor entre a jovem quilombola Dandara e o também jovem minerador Pedro,  conhecido como "Pedro Lobisomem", por razões aqui mantidas obscuras.]

domingo, 25 de abril de 2010

A vida é feita de nadas


Bucólica

A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;
De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;
De poeira;
De sombra de uma figueira:
Meu pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.

Miguel Torga


Ah, eu sempre acho que é tempo de ler e reler o grande escritor português Miguel Torga (1907-1995), com sua sabedoria encravada na terra e seu conhecimento das essências. Agora, quando o mundo  se torna cada dia mais aparente e espetaculoso, quando artistas da palavra e da imagem tentam reduzir a arte à afetação dos efeitos especiais, penso que é cada vez mais preciso descobrir e reler Miguel Torga.

Tive a alegria de conhecê-lo pessoalmente em seu pequeno consultório em Coimbra, nos distantes anos 70.  Eu muito jovem, acompanhada de um amigo tão jovem quanto eu, levava um bilhete e uma encomenda enviadas do Brasil por meu tio, o escritor Jorge Amado, amigo dele. Torga, que era médico, nos recebeu assim que seu paciente deixou a sala. Foi solícito, gentil, carinhoso, falou-nos um pouco de Coimbra, pediu que agradecéssemos ao tio a gentileza do mimo, perguntou por ele, e ali mesmo escreveu um bilhete ao amigo brasileiro.

Eu, que já era grande admiradora dos textos de Torga, fiquei observando sua letra um pouco trêmula, o jaleco imaculadamente branco, o perfil fino inclinado sobre o papel, os cabelos brancos... Estava emocionada pela oportunidade de conhecer pessoalmente um dos meus escritores preferidos, e procurei conversar um pouco com ele, para prolongar a situação. Quando já atravessávamos a porta de saída, ele nos chamou de volta, sorriu de forma delicada, e nos disse:   

Obrigado por  trazerem a juventude a esta humilde morada. Eu hoje estava a precisar disso, e se calhar nem o sabia.

terça-feira, 20 de abril de 2010

A menina e o aniversário



A menina hoje faz aniversário aqui.

domingo, 18 de abril de 2010

O livro escreve-se para frente e para trás



Em 1996, quando lançou o romance Alma, disse que «há livros que se fazem porque se quer» e «há outros que se escrevem porque não pode deixar de ser». A qual das categorias pertence este livro (O Miúdo que Pregava Pregos numa Tábua)?

À mesma categoria do "Alma", à dos que se escrevem porque não pode deixar de ser. Diria que foi um livro que se impôs. No fundo, é uma arte poética, uma explicação de como se chega à escrita e à poesia, através dos sons, dos episódios vividos, das coisas que nos marcaram.

Auto-consciente, o livro mostra-nos as suas costuras, os seus avanços e recuos, os vários caminhos, as indecisões.
O livro escreve-se para a frente e para trás, aos ziguezagues, porque a memória também funciona assim. A memória é feita de fragmentos. Fragmentos dispersos, que muitas vezes se sobrepõem e que não têm continuidade. Como a vida. Isto é uma coisa que brotou não sei de onde. É um sopro que veio lá de dentro. Ultimamente, aliás, só escrevo assim.

Quais foram os momentos fundadores da sua escrita?

Os sons da infância: sinos que tocam, um violino desafinado, o rumor das oficinas, o canto dos pássaros, as águas que passam. E certos episódios marcantes que se transformaram em metáforas, as minhas metáforas, a que volto muitas vezes. O que este livro foi buscar, o que o condiciona, o que lhe dá coerência, são esses vários sons e ritmos da vida, dirigidos para a escrita, para o poema, para as sílabas contadas pelos dedos.

O jogo literário, porém, não revela tudo. «Estou aqui a esconder-me e a mostrar-me», diz no último parágrafo.


Claro. Há sempre uma transfiguração. E é através desse fingimento, desse processo ficcional, que se consegue ir ao fundo das coisas.

*Trecho de entrevista do excelente escritor português Manuel Alegre a José Mário Silva, sobre o mais recente livro de Alegre, O Miúdo que Pregava Pregos numa Tábua (Editora Dom Quixote). A entrevista integral você encontra aqui.
** Aqui você lê um dos belos poemas de Alegre.
*** Imagem: Juan Gris, Le livre ouvert

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A menina e o pai


Amor, amor desmesurado doido fulgurante absoluto, amor resplandecente a menina sente mesmo é pelo pai. Entre todas as pessoas do mundo, é a ele que desde bebê ela procura, para ele joga os bracinhos, busca seu cheiro, seu riso, seu abraço. Desde pequena enxerga aquele pai-lampião à sua frente, às suas costas, pendurado no céu da fazenda, debruçado no seu berço, suspenso sozinho no teto da sala, na viga da varanda, no seu carrinho. Não tem ninguém mais bonito nem mais forte nem mais sabido nem mais valente que o meu pai, a menina pensa explodindo de orgulho, enquanto caminha de mãos dadas com ele.

De mãos dadas com meu pai. Assim é que ela sempre se imagina. Quando sua mãe sumiu de repente no mundo, foi ele, o pai, quem ficou com ela. Ele lhe dá banho, penteia seus cabelinhos, calça-lhe o sapato de fivela, dá-lhe comida, bota-a para dormir. Tudo no seu jeito desajeitado – Ele não sabe, é bobinho, a menina pensa condescendente, tapando o sorriso para não o magoar, com a outra mão fazendo de leve um carinho nos cabelos dele, abaixado à sua frente, suando para enfiar-lhe a meia. Ele é que cuida de mim. Ele é meu, eu sou dele, pensa secretamente, cada vez mais agarrada àquele pai, o tesouro que eu tenho na vida, assim sente, maior que o de Ali Babá, maior que o de todos os piratas do mundo.

Quando visitam pela primeira vez a mãe no sanatório, a menina se apavora: o corredor comprido à sua frente, portas brancas fechadas dos dois lados, pequenas janelas no meio, com grades; pelas frestas das grades saem mãos que se contorcem, lá de dentro vêm gritos altos e lancinantes, gritos soltos, gritos sem dono. Horrorizada a menina estaca, coração aos pulos. Deseja demais abraçar a mãe porém seus pés não se movem, chumbados no chão. Nunca vou conseguir atravessar este corredor, nunca vou conseguir, começa a chorar alto, apertando Macaco Simão contra o peito. De novo é ele, o pai, quem a socorre, com carinho a acalma, com firmeza a conduz por aquele corredor difícil e cheio de perigos do mundo. Com ele eu consigo, ele cuida de mim, ele é meu, eu sou dele, eu consigo com ele, a menina vai dizendo baixinho para si mesma enquanto atravessa o corredor, olhos bem fechados, mãozinha protegida dentro da mão grande do pai.

Uma garota, porém, aprende cedo as verdades do mundo: Eu sou dele, mas ele não é só meu, conclui certo dia, amargurada. O seu é um pai de olhos compridos para as outras mulheres, principalmente para as pernas das outras mulheres (ele pensa que ela não vê, mas ela vê, ela sabe de tudo, essa menina), o seu é um pai do mundo, pai da rua, pai do trabalho, das mulheres, da política, pai da viagem à União Soviètica lá do outro lado do planeta, pai das histórias cheias de gargalhadas, pai que a deixa ali com os tios, os avós e os primos mas tão sozinha tão sozinha tão sozinha, que é como ela se sente longe dele.

Intensamente concentrada, ruguinha na testa marcando a dramaticidade que carregará pela vida, a menina enfim entende: O único jeito de conseguir ficar sempre perto do pai, ficar dentro do coração do pai, é dividindo ele com os outros! Começa então para a menina o longo aprendizado do compartilhamento do pai. Serão as barganhas e alianças que seu instinto aconselha mas sua vontade recusa: conquistar, com gracinhas, as mulheres que ele conquistou ou quer conquistar, mesmo que seu desejo seja o de chutá-las para bem longe dali; ir com ele aos jogos de futebol, mesmo que nem saiba direito onde está a bola; estudar estudar estudar, para tentar receber a atenção e os elogios parcos dele... O aprendizado é longo e é difícil, nem sempre a menina acerta, porém a recompensa é maior do que tudo no mundo: o amor dele, deste pai sem tamanho que é exemplo, é norte e é sul, é âncora, bússola, inteligência, resplendor.

Sem que ele soubesse, caberia a ela depois sair  procurando vida afora aquele pai inexistente, aquele pai que só vivia dentro dela, que ela inventara e por isso mesmo por mais que procurasse jamais encontraria em qualquer outro ser do universo. Sem que ele soubesse, caberia também a ela viver quase uma vida inteira para enfim descobrir e desvendar (e conseguir amar) o pai frágil e defeituoso, humano, como são todos os pais do mundo, como não são todos os pais do mundo.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Este lugar de imperfeição


Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeição

Onde tudo nos quebra e emudece

Onde tudo nos mente e nos separa

Sophia de Mello Breyner Andresen

(Às vítimas da horrível tragédia do Rio e Niterói, assim como às suas famílias, neste Brasil imperfeito em que vivemos, onde as tragédias são anunciadas mas nunca evitadas. Tristeza e revolta.)

*Imagem Terra do desmoronamento do Morro do Bumba, Niterói.

sábado, 3 de abril de 2010

Ficção, realidade, imaginação


[Sendo ficcionista e historiadora, adoro pensar as relações entre ficção e realidade, em suas múltiplas faces: ficção e história, ficção versus história, imaginação versus memória, imaginação e memória, oralidade e/versus escrita, etc. Recentemente, encontrei esta jóia, esculpida com a concisão e o humor de um de meus autores preferidos:]

"Ficção


Tudo o que se diz no teatro ou no romance tem a sua significação e consequência, o seu lugar, o seu propósito.


Na vida, porém, se diz cada coisa, sai-se com cada uma, seu moço... e tudo fica por isso mesmo.


Parece que só na vida é que há ficção."


Mário Quintana
(A Vaca e o hipogrifo. S.Paulo: Globo, 2006, p. 78).
*Imagem: Carlos Relva.

domingo, 28 de março de 2010

Os sertões à beira do rio


Em recente viagem ao interior de São Paulo, tive oportunidade de visitar a cidade de São José do Rio Pardo, e ali, a acanhada cabana onde Euclides da Cunha escreveu Os Sertões (publicado em 1902), enquanto dirigia a construção de uma ponte sobre o rio Pardo. Euclides já estivera em Canudos, no sertão da Bahia, cobrindo como jornalista as investidas finais do Exército contra o beato Antônio Conselheiro e seus seguidores. E já colhera farto material de pesquisa, com vistas ao futuro livro.
Sim, um dos maiores e mais importantes livros do e sobre o Brasil foi escrito à mão, à luz de lampião, dentro de uma cabana abafada e sem conforto, provavelmente infestada de mosquitos, pois à beira do rio. Mas Euclides sentiria saudade desse tranquilo escritório.


Na foto acima, de cerca de 1901, a cabana junto ao rio Pardo onde foi escrito Os Sertões. À esquerda, vê-se parte da ponte construída sob supervisão de Euclides da Cunha, que era engenheiro.

A pequena cabana como se encontra hoje, em 2010, envolvida por uma casa de vidro, que a protege. Vê-se a ponte à esquerda.

No Centro de Cultura Euclides da Cunha, praça junto à casa com monumentos e esculturas em homenagem ao escritor, esta placa registra trecho de uma carta de Euclides de 1908, onde expressa saudades do " meu escritório de zinco e sarrafos, da margem do rio Pardo".

*Imagens, de cima para baixo: Foto, provavelmente de 1901, deste ótimo site.
Fotos de Luiz Carlos Figueiredo, fevereiro de 2010.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Não confio mais no sedex


Há dias tento escrever este texto, mas não consigo. Não sei se devido à minha frustração com o assunto, ao fato de eu chorar toda a vez em que penso nele, à minha profunda sensação de impotência... Vou tentar mais uma vez vencer o bloqueio, e escrever.

Aconteceu comigo: enviei por sedex, de Maceió para Salvador, quatro livros originais escritos nas décadas de 1940 e 1950 pela poeta Jacinta Passos, minha mãe: Nossos poemas, Canção da partida, Poemas políticos e A Coluna. Os leitores deste blog sabem que preparo a edição completa da obra dela, acompanhada de biografia e fortuna crítica, a ser publicada em breve pelas editoras da EDUFBA e Corrupio. A certo momento dos trabalhos, foi necessário comparar os poemas originais dos livros com o texto em page maker, pois nessa transposição costumam acontecer mudanças nos espaços entre as estrofes.

Enviei então os livros de minha mãe para a editor Bete Capinan, em Salvador. Havia pressa, e eu não tinha por que me preocupar, pois sempre confiei nos Correios, principalmente no sedex, serviço que cobra caro justamente para entregar as encomendas rápido e em segurança.

Então começou meu pesadelo. Alertada por Bete de que o pacote não chegara, rastreei-o no site dos Correios, encontrando a informação de que havia sido encaminhado para refugo. Por telefone, fui informada de que, para os Correios, “refugo” quer dizer encomenda encaminhada para… destruição! Sem entender nada e apavorada, liguei imediatamente para Bete, pedindo a ela que fosse rápido à agência dos Correios em Salvador, pois os livros poderiam ser destruídos a qualquer momento, sem que nem soubéssemos por quê. Ela não pôde fazer muito: os Correios consideram que, até ser entregue, a correspondência pertence ao remetente, não ao destinatário, e portanto apenas eu, não ela, tinha direito a saber algo. O argumento lógico de que eu me encontrava em outra cidade, e ela, destinatária, igualmente interessada na encomenda, é que estava ali em Salvador, não sensibilizou ninguém. Graças apenas a uma boa conversa pessoal, Bete conseguiu que uma funcionária procurasse e lhe mostrasse a caixa onde eu havia enviado os livros: estava despedaçada e, dentro dela, havia um… relógio!

Nesse meio tempo, eu preenchia no site dos Correios um “pedido de informação”, a única providência que um usuário que se sente lesado pode tomar, acreditem. E deveria aguardar 5 dias úteis pela resposta dos Correios. Essa resposta só chegou muito depois do tempo previsto (os Correios alegaram que mandaram a resposta por e-mail, mas o fato é que não a recebi). Acionar a Ouvidoria do órgão também de nada ajudou, pois não obtive resposta ao meu pleito.

Para encurtar a história, os Correios me informaram que meus preciosos livros – publicados há mais de 50 anos, em edições esgotadíssimas, e que para mim têm um valor sentimental incalculável, pois foram escritos por minha mãe, já morta – foram roubados do caminhão (isto mesmo, caminhão, embora haja voos diários entre as cidades) que os transportava pelos 600 km que separam Maceió de Salvador. Esse serviço de entrega por caminhão – que, fiquei sabendo, é usado em várias partes do Brasil – é terceirizado. O grande argumento dos funcionários dos Correios que comigo conversavam por telefone era: “Mas o roubo não aconteceu nas dependências dos Correios!”, como se a instituição não fosse a responsável pela entrega final do pacote. E ainda comentavam: “Pois é, minha senhora, este país está uma coisa horrível mesmo, cheio de assaltos...”

Enquanto eu estava na agência daqui me informando sobre o assunto (quantas horas, quantos dias perdidos de pura tensão, para nada!), vi um funcionário dos Correios – ou de empresa terceirizada, não sei – recolher o sedex daquele dia da agência: ele, que dirigia uma perua como a da imagem deste texto, estacionou em frente á agência, abriu as portas da perua – deixando à mostra os outros pacotes que lá estavam – e entrou na agência, passando a carregar para a perua, um a um, os pesados sacos contendo as encomendas sedex. Ao terminar, fechou as portas do veículo, retomou o volante e partiu para repetir a mesma tarefa em outra agência. Nem ele nem a carga (muitas com objetos de valor, todo mundo sabe disso) recebiam qualquer proteção.

O que eu posso fazer? Segundo os Correios, levar cópias de vários documentos meus até a agência onde postei o pacote, preencher lá minucioso formulário, e aguardar até que me devolvam o dinheiro que gastei na postagem, acompanhado de cinquenta reais. É, cinquenta reais.

Decidi acionar judicialmente os Correios. Meu interesse não é tanto o valor pecuniário que acho que me devem por não terem cumprido seus serviços (minha perda é incalculável), mas o fato de – descobri ao conversar com diversas pessoas sobre o assunto – os desvios de encomendas sedex serem hoje frequentes. Muita gente, de vários estados, me contou ter passado pelo mesmo problema. Suas perdas foram enormes – desde objetos de valor, como laptops, que por isso mesmo foram enviados por sedex, até perda de inscrição em concurso público, passando pelo extravio de um remédio urgente, destinado a alguém que muito precisava dele.

Pelo que me foi dito, os desvios de cargas do sedex têm sido constantes. Acho que os Correios devem ser responsabilizados por isso, para tomarem uma providência. Acho que todos os prejudicados devem entrar na Justiça, por mais aborrecido e tenso e trabalhoso que isso seja. Pois pode ser a única brecha que nos deixaram para chamar à consciência uma instituição que já foi sinônimo de qualidade no Brasil, e hoje pode deixar de cumprir obrigações, lesando seus usuários, como aconteceu comigo.

Eu não confio mais no sedex.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Sempre valeu a pena


Retorno de uma viagem agradável ao interior de Minas e de São Paulo. Nesses interiores, encontrei por acaso uma antiga aluna, minha orientanda no mestrado e doutorado. Foi uma festa nosso encontro, uma alegria. Ela hoje é professora da UNESP, onde desenvolve bonita carreira, como pesquisadora inclusive. São esses os frutos maiores do ensino, que exerci durante décadas: ajudar a formar gente de qualidade, que ajudará a formar outros, que ajudarão...


O encontro me fez lembrar deste pequeno texto que escrevi em março de 2004, quando me dei conta de que minha última orientanda (Leny Caselli Anzai, profa. da UFMT) defenderia seu doutorado no dia seguinte, na Universidade de Brasília. Seria meu último compromisso universitário, pois eu já me encontrava aposentada. Sentei-me então em frente ao computador e escrevi este pequeno texto nada acadêmico, que no dia seguinte li para uma platéia comovida, durante o intervalo da defesa, e ainda expressa o que sinto:
Sempre valeu a pena


Sempre valeu a pena, desde as escolinhas que montávamos nos saguões dos prédios da nossa infância, onde as crianças mais velhas, como eu, se punham no papel de sádicos professores, e as menores, no de obedientíssimos alunos, obediência garantida graças ao mais antigo dos métodos, a supremacia da nossa força física. Aos nove anos, eu examinava e aprovava os deveres de casa dos meus primeiros alunos: desenhos sobre o que cada um achava a coisa mais bonita do mundo. Em meio a singelas casinhas, figuras de mamães e flores, destacou-se o desenho de uma prima de cinco anos de idade: um homem nu em folha inteira, órgão sexual masculino detalhadíssimo, primeiro plano. O desenho provocou a imediata expulsão de sua autora da escola: "Pouca vergonha, aqui na minha escola, não!", gritei-lhe, dedo em riste, do alto do meu autoritarismo. Este desenho me ensinou a primeira grande lição como professora, aprendida naquela mesma noite, quando, trancada no banheiro, eu examinava cheia de espanto a obra da pequena prima – que, em vez de rasgar, espertamente enfiara no bolso –, e, boquiaberta, pensava: "Puxa vida, minha aluna sabe mais do que eu!”


Daí em diante, foi sempre assim. Aprendi com os sorrisos, a irreverência e a energia deles, à medida que a minha própria energia ia diminuindo, transmutada em ar fresco que me entrava pulmão adentro, a cada manhã renovando a vida. Aprendi com a ignorância, a cultura e a curiosidade deles (como a da caloura que, após a primeira aula da última disciplina de graduação que ensinei, perguntou, olhinhos brilhantes de expectativa: "Então, fessora, nesse seu curso vai ou não vai rolar stress?"). Aprendi, sobretudo com os orientandos da pós: por mais que eu me esforçasse, jamais encontraria "A" fórmula para orientá-los, pois cada um era e é único e ao mesmo tempo múltiplo, transformando-se à medida que seu trabalho de pesquisa amadurecia. Se alguma coisa havia a aprender com aquela troca, era a respeitá-los e aos seus caminhos. Para mim, eles e elas é que sempre valeram a pena.

Nesses últimos 30 anos, mesmo nos piores momentos de uma profissão que no Brasil é difícil, quando me senti sufocada pela burocracia insana, pelas tentativas de vários grupos para assassinar o recém-nascido sistema universitário brasileiro, mesmo nos piores momentos, quando me senti desanimada, desvalorizada ou incompetente, jamais duvidei de que eles e elas, sim, sempre valeram a pena.
*Imagem daqui.

sexta-feira, 5 de março de 2010

O último dinossauro da Terra

Amigos, hoje tem poema aqui.
PS - Estou viajando para o interior de Minas e São Paulo, retorno daqui a uma semana. Abraços e até lá.

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