No post anterior, apresentei o poeta caribenho Derek Walcott, seu poema "A far cry from Africa" (um dos meus preferidos), e a tradução do poema em português, feita por Thereza Christina Rocque da Motta. Hoje, apresento-lhes uma outra tradução do mesmo poema, realizada por Ricardo Cabús. Minha intenção é tanto homenagear Walcott – um dos mais importantes poetas contemporâneos, ainda pouco conhecido no Brasil –, como homenagear os tradutores (estes seres tão amaldiçoados), chamando a atenção para seu difícil trabalho: pois as possibilidades que cada tradutor tem diante de um texto são múltiplas, quase infinitas, e não é fácil decidir entre elas. Isso se pode comprovar pela simples comparação entre as duas traduções apresentadas, aqui e no post anterior. Ricardo e Thereza buscaram soluções próprias para os desafios que encontraram, ao traduzir o difícil poema de Walcott. Daí provêm as diferenças entre suas traduções. As razões de suas escolhas, eles próprios saberão justificar.
Pois bem: havia eu preparado os dois posts (este, pensei em publicar somente daqui a alguns dias, para os leitores terem tempo de ler o anterior), quando uma notícia me chamou a atenção hoje: a tradutora Denise Bottmann, em seu blog naogostodeplagio.blogspot.com, havia denunciado que as traduções de O Morro dos ventos uivantes, de Emily Brontë, e Persuasão, de Jane Austen, publicadas pela editora Landmark, eram plágios de antigas traduções portuguesas. Para comprovar, Denise apresentou trechos das traduções em Portugal e no Brasil, demonstrando que elas são praticamente idênticas, inclusive nos erros. Pois bem: por denunciar uma farsa, Denise... está sendo processada pelo proprietário da editora, que entrou inclusive com liminar (que o juiz negou), para que o blog fosse preventivamente retirado do ar! Ficam nossos protestos contra todos os tipos de plágio, assim como nossa solidariedade àqueles que têm coragem de denunciar e comprovar os plágios.
Abaixo, o poema de Walcott em tradução de Ricardo Cabús (original do poema no post anterior), a provar que uma tradução jamais é igual a outra, e que suas diferenças não residem em pormenores apenas, mas nas escolhas substanciais dos tradutores, esses recriadores:
Um grito distante da África
Um vento está eriçando a pele morena
Da África, Kikuyu, rápido como moscas,
Deleitando-se na corrente sanguínea da savana.
Cadáveres são espalhados por um paraíso.
Apenas o verme, coronel da carniça, grita:
“Não tenham compaixão com estes mortos isolados!”
As estatísticas justificam e os estudiosos apreendem
As saliências da política colonial.
O que é isso para a criança branca mutilada na cama?
Para selvagens, dispensáveis como judeus?
Esmagados por agressores, os longos ataques irrompem
Em uma nuvem branca de íbis cujos gritos
Ecoam desde o amanhecer das civilizações.
Do rio ressequido ou de planícies repletas de animais
Da África, Kikuyu, rápido como moscas,
Deleitando-se na corrente sanguínea da savana.
Cadáveres são espalhados por um paraíso.
Apenas o verme, coronel da carniça, grita:
“Não tenham compaixão com estes mortos isolados!”
As estatísticas justificam e os estudiosos apreendem
As saliências da política colonial.
O que é isso para a criança branca mutilada na cama?
Para selvagens, dispensáveis como judeus?
Esmagados por agressores, os longos ataques irrompem
Em uma nuvem branca de íbis cujos gritos
Ecoam desde o amanhecer das civilizações.
Do rio ressequido ou de planícies repletas de animais
A violência entre as feras é entendida
Como uma lei natural, mas o homem ereto
Busca sua divindade infligindo dor.
Delirantes como estas bestas atormentadas, suas guerras
Dançam ao som agudo de um tambor,
Enquanto ele ainda chama coragem esse medo nativo
Da paz branca conquistada através dos mortos.
De novo, a necessidade estúpida limpa suas mãos
No guardanapo de uma causa suja, de novo
Um desperdício de nossa compaixão, como com a Espanha,
O gorila luta com o super-homem.
Eu que estou envenenado com o sangue de ambos,
Para onde devo seguir, com a veia dividida?
Eu que tenho xingado
O funcionário britânico viciado, como escolher
Entre esta África e a língua inglesa que eu amo?
Trair ambas ou devolver o que elas dão?
Como posso enfrentar tal massacre e ficar bem?
Como posso abdicar da África e viver?
Como uma lei natural, mas o homem ereto
Busca sua divindade infligindo dor.
Delirantes como estas bestas atormentadas, suas guerras
Dançam ao som agudo de um tambor,
Enquanto ele ainda chama coragem esse medo nativo
Da paz branca conquistada através dos mortos.
De novo, a necessidade estúpida limpa suas mãos
No guardanapo de uma causa suja, de novo
Um desperdício de nossa compaixão, como com a Espanha,
O gorila luta com o super-homem.
Eu que estou envenenado com o sangue de ambos,
Para onde devo seguir, com a veia dividida?
Eu que tenho xingado
O funcionário britânico viciado, como escolher
Entre esta África e a língua inglesa que eu amo?
Trair ambas ou devolver o que elas dão?
Como posso enfrentar tal massacre e ficar bem?
Como posso abdicar da África e viver?
Derek Walcott
(Tradução de Ricardo Cabús, poeta, tradutor e professor brasileiro)